Compartilhar a região hídrica requer planejamento, governança e gestão, o que ajuda a evitar conflito de interesses entre Países vizinhos. Mas como equacionar seus interesses e expectativas? Esse é um grande desafio na gestão de bacias transfronteiriças. Este também é o tema do 8º Fórum Mundial da Água.
A guerra da água da Bolívia, também conhecida como guerra da água de Cochabamba, aconteceu na terceira maior cidade do País, de mesmo nome, em janeiro de 2000, motivada pela privatização do sistema municipal de gestão da água.
A demanda mundial de água aumentará 55% até 2050. Os dados são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Durante o 7º Fórum Mundial da Água, em Marselha, na França, estudiosos afirmaram que essa demanda aliada à falta do recurso, devem aumentar os riscos de conflitos pela água no mundo. Os assuntos conflitos e compartilhamento são tão grave e oportunos que este último foi escolhido como tema do 8º Fórum Mundial da Água, que acontece de 18 a 23 de março de 2018, no Brasil.
As tensões causadas pelo compartilhamento de água (ou a falta dele) já deram sinais no Oriente Médio, na África e em outros países. A guerra entre árabes e israelenses, a batalha civil de Cochabamba, a situação crítica da Turquia, são algumas situações que envolvem ou envolveram a exploração errôneo da água e sua falta de preservação. Além do uso desenfreado do recurso e da poluição de mares, rios e oceanos, a distribuição desigual é também uma das causas de problemas. E, nem mesmo os países mais privilegiados, como o Brasil que possui 12% da água doce superficial no mundo, estão fora do conflito.
São 286 bacias hidrográficas transfronteiriças internacionais no mundo que abrangem 151 países, mais de 2,8 bilhões de pessoas (42% da população mundial), cobrem 62 milhões de quilômetros quadrados (42% da área continental do planeta Terra) e produzem aproximadamente 22.000 Km³ de recarga hídrica por ano. Este são dados da ONU Organização das Nações Unidas (ONU) e do GEF- Global Environment Facility denominado Transboundary Waters Assessment Programme (TWAP).
A Advogada especialista em direito ambiental, direito das águas e hidrodiplomacia, Juliana Cassano Cibim explica como é difícil compatibilizar a soberania dos países e o compartilhamento de água nas bacias transfronteiriças. “O rio é parte de um complexo hidrográfico e humano mais amplo do que uma simples via de acesso. O espaço hídrico e a água que flui de um território para o outro, trazem obrigações comuns e compartilhadas, e também obrigações individuais. Sim, porque a soberania de cada país deve ser respeitada”, explica ela.
Juliana Cassano Cibim – pesquisadora e doutora em hidrodiplomacia: “gestão compartilhada da água é o caminho mais responsável e pacífico”.
De acordo com Juliana Cassano, isso significa que dentro de seu território cada país pode agir de acordo com suas próprias regras. “No entanto, por estarem em uma bacia compartilhada, não podem agir de forma a prejudicar os usos da água pelos outros integrantes da bacia. Há a responsabilidade compartilhada pelo uso do recurso hídrico”, completa ela.
A responsabilidade pela gestão hídrica das bacias é dos países que a compartilham. Juliana Cassano – que é também doutora em hidrodiplomacia, pesquisadora e professora da Faculdade de Direito da FAAP - explica que a gestão, aliás, é um grande desafio que deve beneficiar os diversos usos da água (navegação, geração de energia, abastecimento urbano, água para irrigação , saneamento, pesca ou lazer). “ Os tratados de gestão devem assegurar que tanto os países à jusante a à montante tenham acesso à água de boa qualidade na quantidade necessária para todos os possíveis usos da água”, explica a pesquisadora. Este é o motivo pelo qual as negociações são fundamentais no processo de compartilhamento; se um país precisar fazer um empreendimento no rio compartilhado deve consultar os demais.
Ao se lançar um olhar sobre compartilhamento de água, é preciso estar atento ao objetivo comum; governança compartilhada significa gestão participativa e colaborativa das bacias para que todos tenham e continuem tendo acesso á água. “Nesse contexto, as negociações devem considerar a diversidade de atores (governos, sociedade civil, população ribeirinha, etc) com seus interesses comuns e divergentes, as legislações nacionais e internacionais vigentes, a situação atual de bacia e uma previsão de cenário futuro e os comitês de bacias, se existirem”, completa Juliana Cassano. Ela cita como exemplo de compartilhamento e seus desdobramentos, os casos das Bacias do rio Danúbio, na Europa e do Prata, na América do Sul.
Os organizadores do 8º Fórum Mundial da Água chamam a atenção para a complexidade da gestão e da governança dessas unidades territoriais e lançam luz sobre os desafios e oportunidades que significam as águas compartilhadas. Os temas pertinentes a este debate serão abordados e aprofundados durante o evento, que vai reunir mais de 40 pessoas em Brasília no ao que vem.