O Lago de Alqueva, e a transposição de suas águas para o Alentejo, está mudando a economia de uma região antes insólita. O lago fica na divisa de Portugal e Espanha é um exemplo de boas práticas no compartilhamento de águas. O projeto será mostrado durante a realização do 8º Fórum Mundial da Água.
Por Juliana Arantes
A gestão das águas transfronteiriças é complexa, com muitos desafios a serem vencidos e com grandes oportunidades de construção de um mundo mais igualitário e com mais e compartilhadas oportunidades. O compartilhamento de águas e seus desdobramentos é um assunto tão atual e pertinente, que foi escolhido como tema do 8º Fórum Mundial da Água.
Represa de Alqueva, no município português de Monsaraz: do outro lado, Espanha
Diante da importância da matéria “compartilhamento” , a equipe de jornalismo da REBOB (Rede Brasil de Organismos de Bacias Hidrográficas) foi até Portugal, na região do Alentejo, para conhecer um bem sucedido projeto de compartilhamento de águas. Trata-se da construção de Alqueva, o maior lago artificial da Europa, com águas compartilhadas entre Portugal e Espanha e os canais que levam esta água para a região do Alentejo.
Este projeto bem sucedido mostra que a transposição de um rio pode mais do que matar a sede de pessoas que estão sem acesso à água. Pode emancipar economicamente uma região e integrá-la efetivamente ao processo produtivo.
Miguel Lopes, diretor da ACOS: “Temos solos e calor; faltava a água”
As águas do Alqueva estão mudando a geografia econômica de Portugal. Através de canais de irrigação, a água é levada até o Alentejo, uma das regiões mais áridas e pobres da Europa (uma área de 31 551,2 km², ao sul do País) . As águas de Alqueva estão levando a uma espécie de “renascimento” do Alentejo. A possibilidade de uma agricultura irrigada e mais produtiva já mudou o perfil de seus moradores e criou novos horizontes principalmente para os pequenos agricultores.
Antes dos canais de irrigação vindos do Alqueva, a região do Alentejo era dedicada a pastagens, à cultura de trigo, amendoal e olival de baixas produtividades. A chegada da água mudou tudo. Atualmente, a área do Alqueva deixou de ter trigo e passou a ser ocupada por milho irrigado (15% da área). O olival irrigado explodiu e ocupa hoje a maior fatia do perímetro do empreendimento (40%). Há também explorações irrigadas dedicadas à frutas (muitos e extensos vinhedos), aos hortifrutigranjeiros , à beterraba ou a culturas impensáveis como, por exemplo, a papoula voltada para a produção de morfina.
Pedro do Carmo, deputado Português da região do baixo Alentejo
Alqueva: uma nova terra de água
“Éramos a região mais pobre do País. Hoje somos a mais produtiva e a que mais exporta, com a utilização de inovação e tecnologia. Nossos índices de produtividade estão em crescimento geométrico. Este é um exemplo para o mundo”, comemora Pedro do Carmo, ex-prefeito da cidade de Beja, e deputado eleito pelo Baixo Alentejo. “Somos uma nova terra de água”, diz ele, referindo-se ao slogan adotado para o projeto.
Também comemoram os agricultores da região. Miguel Lopes, diretor da ACOS (Associação dos Agricultores do Sul), com sede no município de Beja, se entusiasma ao mostrar os equipamentos de irrigação e as novas formas de plantação intensiva. “Com a irrigação tivemos um maior e melhor aproveitamento do solo. Temos uma região favorável, principalmente para parreirais e olivais, que é seca e quente. Faltava á água, mas há cerca de seis anos, os canais chegaram e com eles a água”, comemora o agricultor.
O projeto tem contribuído para que a agricultura portuguesa possa competir no quadro da União Europeia o que antes não acontecia por falta de água e consequente baixa produtividade; o Alentejo era uma região muito propensa à desertificação. A realidade mudou com a chegada da água já que mais de 200 mil portugueses em 13 conselhos (municípios) já se beneficiam da água do Alqueva.
O projeto de construção da barragem de Alqueva teve início em 1993, com o represamento do rio Guadiana, perto da aldeia do Alqueva. A construção desta barragem permitiu a criação do maior reservatório artificial de água da Europa Ocidental, também chamado de Grande Lago, com 250 quilômetros quadrados, dos quais 33 quilômetros quadrados compartilhados com Espanha. Contrariando os mais pessimistas, o lago se encheu muito antes do tempo previsto. Além de quilômetros em canais, o projeto inclui também reservatórios de água, barragens, milhares de pontos de chegada da água. Já são 120 mil hectares irrigados; há a projeção de mais 50 mil nos próximos anos.
No início de 2015, entre investimento público e privado o projeto de Alqueva já havia mobilizado €4 bilhões. Mais investimentos no valor de €1 bilhão estão previstos até o final de 2020. O investimento veio em grande parte da Comunidade Europeia e também do governo português. Estima-se que pelo menos 20 mil novos postos de trabalho já foram criados em função do Alqueva.
PROJETO COMO O DE ALQUEVA E BOAS PRÁTICAS EM ÁGUAS COMPARTILHADAS SERÃO TEMAS DO 8º FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA, QUE ACONTECE EM MARÇO DE 2018, NO BRASIL.