
O rio como um membro da família: um pai, que sempre proveu o sustento de todos; uma mãe, que sempre cuidou dos seus; um irmão que brinca com as crianças; um professor que as ensina a nadar ... A perda da vitalidade do rio como a perda, lenta e dolorosa, de um ente querido, que ao invés de prover e cuidar, agora precisa receber toda a ajuda e atenção possível. Essa relação afetiva dos moradores da vila de Itaúnas com o seu velho rio pode ser apreendida e re-conhecida pelos visitantes – moradores e turistas – que conhecerem a exposição Rio de Histórias. Produzida pela ong Sociedade de Amigos Por Itaúnas (Sapi), a exposição é composta , por fotografias, vídeos, depoimentos, objetos e mapas afetivos e estará aberta diariamente, de 17h às 22h, durante todo o verão, na sede da associação de pescadores. A arte-educadora Kika Gouvea, diretora de Comunicação da Sapi, conta que a iniciativa integra o projeto Ponto de Memória, apoiado pelo Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura) e também o Movimento Rio Itaúnas Sempre Vivo. O Movimento teve início há um ano e meio, por meio de uma campanha de financiamento colaborativo e lançará, em março, um documentário média metragem de 25 minutos, filmado ao longo de toda a bacia hidrográfica, desde a nascente, em Ponto Belo, no noroeste do estado, até a foz, em Conceição da Barra, alguns quilômetros a leste da Vila de Itaúnas. Kika conta que, desde a campanha de sensibilização e mobilização para o Movimento, ficou claro que a recuperação da bacia hidrográfica precisa promover uma rede e “unificar os interesses de todos em prol da recuperação do rio, desde os pescadores artesanais até os grandes produtores”, diz.A intenção é o movimento e o ponto de memória não parem nunca, “continuem a correr como as águas do nosso rio”. Atualmente, no entanto, as águas do rio das pedras pretas – do tupi-guarani pedra (ita) e preta (una) – corre de forma muito diferente que há vinte anos. Ente principal da bacia hidrográfica mais desmatada do Espírito Santo, que tem hoje menos de 10% de cobertura florestal, o Rio Itaúnas teve uma redução drástica de sua vazão e está gravemente contaminado com poluentes – agrotóxicos utilizados na pecuária, silvicultura de eucaliptos e outras culturas agrícolas de alto impacto ambiental – e, mais recentemente, pela lama de rejeitos da Samarco/Vale-BHP, que chegou carreada pelo mar que avançou no leito do rio no período da seca, quando suas águas mal chegavam à foz. “As pessoas têm um sentimento de tristeza profunda”, relata Kika. Sem peixes, sem os banhos de rio, sem qualquer atividade tradicional. E o mais triste, diz, é ver que as crianças não estão mais desenvolvendo essa relação afetiva com o rio, exatamente pela falta de atividades nele. O Rio de Histórias, enfatiza a arte-educadora, vem fortalecer as ações de sensibilização e mobilização que estão sendo empreendidas na região, por iniciativa da Sapi e do Movimento Rio Itaúnas Sempre Vivo, em prol da revitalização da bacia hidrográfica do rio Itaúnas.

O projeto, explica, “foi idealizado a partir do entendimento de que tempo, memória, espaço, história e identidade caminham juntos, e juntos modelam a cultura de um povo, imprimindo significados, aumentando a autoestima e a certeza de que somos os protagonistas de nossa história”.

As fotografias foram doadas por vários fotógrafos, como Vitor Nogueira, Rogério Medeiros, Tião Xará, Frederico Pereira, Patricia Uzelim, além da própria Kika e do acervo da Sapi. Outras imagens, revela, “foram recolhidas na vila, junto a moradores, em visitas a famílias onde a equipe do Ponto de Memória passava a tarde conversando sobre as memórias do rio, as relações afetivas dessas pessoas com as águas e a importância dele para cada um”. Além da diretora da Sapi, integram a equipe Angela Noma, Cecilia Marcondes, Márcia Lederman e Paula Cassuce.

Fonte: Século Diário - Espírito Santo