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Sumário da água

Blog da REBOB

A importância da questão de gênero para uma melhor governança da água


Anícia Pio

O tema da água doce disponível para o abastecimento público e demais atividades humanas entrou para a agenda da Organização das Nações Unidas em 1977, quando foi realizada a Conferência de Mar del Plata sobre Água e Meio Ambiente, que teve como resultado o Plano de Ação de Mar del Plata, considerado o mais completo documento referencial sobre recursos hídricos, até a elaboração do capítulo específico sobre a água – Capítulo 18 da Agenda 21.

Os princípios e recomendações resultantes tiveram seu aprofundamento consolidados, desde então, tais como na Declaração de Dublin em 1992, cujas recomendações se basearam em quatro princípios, que embasaram toda a legislação brasileira, em especial a chamada “Lei das Águas” - Lei nº 9.433 de 1997.

Dentre estes princípios, um deles já deixava explícita a importância da questão de gênero: “as mulheres têm um papel fundamental na administração, gerenciamento e proteção dos recursos hídricos”, destacando a importância do papel das mulheres no processo, o que raramente se verificava nos arranjos institucionais de gerenciamento de recursos hídricos, até então existentes.

Em especial, este princípio tem sido reforçado em todos os eventos do Fórum Mundial da Água, desde o Primeiro Fórum realizado em Marrakech em 1997, com a formação da Comissão Mundial da Água no Século XXI, cuja “Visão Mundial da Água”, estabeleceu como principal desafio:

“Consolidar as necessidades básicas reconhecendo que o acesso aos mananciais de água, ao abastecimento suficiente e ao serviço de saúde pública, são necessidades humanas básicas e essenciais à saúde e ao bem-estar e garantindo aos cidadãos, especialmente as mulheres, participação no processo de gestão da água”

No âmbito do Segundo Fórum Mundial da Água, realizado em Haia em 2000, foi criada A Aliança Gênero e Água - GWA, com objetivo de integrar a abordagem de gênero na gestão da água em todo o mundo e promover o acesso equitativo das mulheres e dos homens a água segura e adequada, dar segurança alimentar e sustentabilidade de seus usos múltiplos.

Não poderia deixar de mencionar a adoção da Agenda 2030 em 2015, com o estabelecimento dos 17 ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, integrados e indivisíveis, cabendo destaque o ODS 6 – ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO, que tem por objetivo “Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos”, com destaque para a meta 6.2, com prazo até 2030:

alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade

Dentre as inúmeras recomendações resultantes do 8º Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília, em 2018: vale reproduzir a Declaração Conjunta da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP

“A importância da participação aberta e democrática de um amplo conjunto de atores nos debates e processos políticos no tema da água, comprometendo-se a procurar a participação efetiva dos jovens, com predominância das mulheres, das comunidades rurais e das populações mais vulneráveis nos processos de gestão e tomada de decisão sobre a água”.

Parece não restar nenhuma dúvida de que a participação das mulheres é fator preponderante para alavancarmos o uso racional e sustentável deste insumo básico para todas as atividades humanas, mas a questão mais essencial refere-se ao acesso à água com qualidade para garantia da saúde e redução dos índices de mortalidade infantil, decorrentes da falta de saneamento básico, que aflige milhões de pessoas globalmente.

Neste sentido, tenho enorme orgulho de ter tido a oportunidade de alicerçar minha carreira profissional com foco no gerenciamento de recursos hídricos, bem como no convívio dos mais renomados profissionais e visionários, que idealizaram e lograram consolidar, inclusive nas Constituições Federal e na Paulista, os Sistemas Nacional e Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos no Estado de São Paulo, destaco, entre tantos, o nosso saudoso Flávio Terra Barth (em memória).

Estar presente naquele 05 de novembro de 1998, data histórica de instalação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, foi um presente para todas as pessoas que, como eu, acreditam que somente com um gerenciamento descentralizado, integrado e participativo poderemos avançar nesta agenda tão complexa, mas tão nobre, de forma a assegurar a disponibilidade de água na quantidade e qualidade necessárias para garantir seus usos múltiplos, atuais e futuros.

Especialmente neste período, tive a grata oportunidade de ter como orientadora da minha dissertação de mestrado, a Doutora Mônica Porto, uma das mulheres mais importantes para a minha formação profissional, que se tornou uma incrível amiga e sem dúvida uma das grandes responsáveis pela melhoria da governança da água no nosso país, com reconhecimento nacional e internacional.

Na época, eu representava a então Secretaria de Recursos Hídricos, Obras e Saneamento do Estado de São Paulo, e nesta condição, era certamente muito mais difícil aceitar um posicionamento contrário, seja de representantes de entidades não governamentais ou de segmentos usuários, mas foi justamente este contraditório, que me ensinou a importância do gerenciamento participativo, em contraponto às decisões monocráticas gestadas em gabinetes pelos agentes públicos, por mais capacitados que sejam.

Mas tão importante quanto o conhecimento técnico, por outro lado, participar das diferentes instâncias do Sistema, tanto em âmbito nacional quanto estadual, me permitiu um aprendizado e uma postura diferenciada em termos de relações institucionais, na qual, é preciso ser mais tolerante, respeitar e conviver com opiniões e posicionamentos, embora legítimos, completamente distintos e muitas vezes contraditórios.

Atualmente, representando o segmento de usuários industriais, pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, consolidei minha visão estratégica sobre a essencialidade do gerenciamento participativo em inúmeros momentos, mas acredito que preciso destacar o acompanhamento das negociações que resultaram nas regras operacionais do Sistema Cantareira, durante a Crise Hídrica de 2014.

Trabalho merecedor dos mais altos elogios, orgulho para todos os membros dos comitês envolvidos, Piracicaba, Capivari e Jundiaí e o Alto Tietê, consolidando estas instâncias como o lócus de discussão, no qual todos os segmentos apresentam suas preocupações e necessidades, mas prevalecendo, associado aos aspectos técnicos, o bom senso, dentre as enormes limitações existentes, para que fosse estabelecida uma regra operacional que, além de garantir o abastecimento público, prioridade constitucional, fossem minimizados os impactos para todos os segmentos de usuários.

Em todos estes anos, tive a oportunidade de conhecer e aprender a respeitar mulheres incríveis, verdadeiras guerreiras, daquele nível de adversário que você tem prazer em debater, especialmente quando você consegue sair vitorioso na disputa, mas melhor ainda quando você conta com elas, ombro a ombro, te apoiando e dando retaguarda nas inúmeras batalhas, muitas das quais se tornaram belas amizades que tenho o prazer de conviver e cultivarei para sempre, embora o espaço deste artigo não me permitirá listar todas elas.

Mas tenho que deixar um registro, pelo menos, até mesmo por ter sido uma das pioneiras na defesa da questão de gênero na boa gestão dos recursos hídricos, com quem aprendi a entender o valor da participação das mulheres: a saudosa Ninon Machado, do Instituto Ipanema, que deixou um legado incrível, além do projeto e supervisão da primeira Cartilha Gênero e Água em conjunto com o Professor Demetrios Christofidis e ilustração de ninguém menos do que o Ziraldo.

Finalizo, com um sentimento de saudades ao relembrar tantos bons momentos que minha carreira profissional na gestão de recursos hídricos me proporcionou, mas, também, de gratidão por todos os profissionais com os quais aprendi e pelos grandes amigos e amigas que conquistei ao longo dos anos.

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