Maysa Schiefer da Costa Lima
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As mudanças climáticas têm causado danos irreversíveis aos sistemas naturais, impactando negativamente a vida de bilhões de pessoas ao redor do mundo. Eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas e tempestades têm se tornado mais frequentes e intensos, trazendo prejuízos irreversíveis.
De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o que fizemos até então tem sido insuficiente para enfrentar as mudanças climáticas e a temperatura média atual já está 1,1°C acima dos níveis pré-industriais. Nos últimos 50 anos, os impactos das mudanças climáticas têm causado danos irreversíveis aos ecossistemas terrestres, de água doce, costeiros e marinhos e cada potencial aumento na temperatura poderá agravar rapidamente os riscos climáticos. O mesmo relatório enfatiza a extrema urgência de um plano imediato e mais ambicioso para enfrentar a crise climática.
Injustiça Climática
Países menos desenvolvidos e pequenos estados insulares em desenvolvimento emitem muito menos CO2 per capita (1,7 tCO2-eq e 4,6 tCO2-eq, respectivamente) do que a média global (6,9 tCO2-eq), mostrando uma grande disparidade na contribuição histórica e atual das emissões de CO2 entre as regiões. Ironicamente, aqueles que menos contribuem para a mudança climática são os mais vulneráveis aos seus impactos.
Os impactos das mudanças climáticas são distribuídos de maneira desigual entre países e regiões, afetando nações e pessoas de maneiras diferentes. A crise climática afeta países do Sul Global, incluindo o Brasil, de maneira desproporcional, uma vez que essas nações têm recursos limitados para responder e se adaptar aos desastres naturais. As mudanças climáticas reforçam desigualdades e injustiças existentes, interseccionando-se com variáveis como raça, gênero, etnia e classe, impactando de forma mais expressiva grupos vulneráveis, como mulheres, minorias, populações pobres, povos indígenas e populações tradicionais.
Entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas vivem em contextos altamente vulneráveis, onde os riscos climáticos ameaçam constantemente suas vidas. Na última década, como consequência de eventos extremos e desastres naturais intensificados pelas mudanças climáticas, a mortalidade de pessoas em regiões vulneráveis foi 15 vezes maior do que em locais com baixa vulnerabilidade. Além disso, se medidas adequadas de adaptação às mudanças climáticas não forem tomadas, estima-se que o número de pessoas vivendo em extrema pobreza possa chegar a 132 milhões em 2030.
Perdas e Danos e Colonialismo
O debate das injustiças climáticas a partir de políticas públicas, bem como a proposição de alternativas para a redução das desigualdades decorrentes dos impactos ambientais e climáticos, tem ganhado cada vez mais espaço no cenário internacional.
No ano passado, a Conferência do Clima das Nações Unidas realizada no Egito (COP27) teve como destaque o a criação de um fundo de perdas e danos para países emergentes mais vulneráveis aos impactos climáticos. A lógica por trás deste mecanismo é de que os benefícios e ônus associados às mudanças climáticas e sua resolução devem ser alocados de forma justa. O fundo leva em consideração a responsibilidade histórica dos países desenvolvidos em relação às mudanças climáticas, já que, a longo prazo, os mesmos têm contribuído mais para as emissões de gases do efeito estufa. A criação de um fundo de perdas e danos é uma exigência antiga dos países em desenvolvimento cujos eventos extremos climáticos vem impactando seus territórios e populações de forma desproporcional.
Desta forma, a COP27 pode ser considerada um marco importante na história da Justiça Climática, quando países desenvolvidos se identificam como maiores responsáveis pela crise climática e se comprometem a prover recursos financeiros para países mais vulneráveis no combate à crise climática.
Porém, as dívidas dos países desenvolvidos vão muito além das emissões cumulativas de gases de efeito estufa. Para a construção de uma narrativa da crise climática coerente, é fundamental olhar para a história compreender as raízes das estruturas sociais e econômicas de cada país.
O colonialismo é um mecanismo histórico de dominação territorial e econômica que tem sido utilizado pelos países do norte global para assegurar seu próprio desenvolvimento às custas de séculos de extração de recursos e exploração dos países do sul global. A crise climática reflete a reprodução de um padrão global de poder colonial, sobretudo na distribuição desigual do desenvolvimento e suas consequências entre as nações.
Esse modelo de exploração e desenvolvimento econômico perdura até hoje, porém, de forma menos evidente, por meio de relações comerciais e investimentos em atividades econômicas muitas vezes predatórias ambiental e socialmente. Enquanto países desenvolvidos correm para cumprir suas metas ambiciosas de descarbonização da economia, importam mercadorias sem considerar os impactos socioambientais no ato de sua produção. A extração do lítio no Chile, por exemplo, essencial para abastecer o mercado internacional, provoca inúmeros impactos socioambientais negativos, como a contaminação da água, a proliferação de doenças, bem como a disputa por territórios entre comunidades indígenas locais e o Estado. Este mesmo lítio será utilizado no desenvolvimento de tecnologias para a produção de energia renovável em países majoritariamente presentes no norte global, como parte do plano estratégico de redução de suas emissões. Casos como este nos mostram que o projeto de combate às mudanças climáticas dos países desenvolvidos ainda é baseado em modelos de exploração de países emergentes.
Para enfrentarmos de forma efetiva a crise climática, é fundamental compreendermos como o colonialismo se manifestou e ainda se manifesta nos dias de hoje para superar as relações econômicas, sociais e políticas desiguais entre norte e sul global. É preciso reconhecer que os países ricos devem sim ser responsabilizados por emissões de gases de efeito estufa numa escala histórica temporal, mas também pelos impactos de ordem indireta, provenientes de países em desenvolvimento, “invisíveis” aos olhos das grandes lideranças mundiais. Os mecanismos de combate a crise climática da elite global para os países emergentes também devem levar em conta os investimentos, as relações e acordos de intercâmbio internacional e os devidos impactos sociambietais atrelados às transações comerciais.
Maysa Schiefer da Costa Lima é bacharel em Ciências Biológicas (USP), mestra em Ecologia (ENBT – JBRJ), mestra em Ciências Ambientais (Universidade de Freiburg, Alemanha), ativista climática e membro do The Climate Reality Project.
Instagram: @maysasclima, E-mail: maysasclima@gmail.com
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