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Sumário da água

Blog da REBOB

Agroecologia como proposta para a preservação dos bens comuns

Autoras: Mariana Martins e Simone Santarém


Como agroecologia e água se conciliam? A água é um recurso fundamental para a produção de alimentos e, consequentemente, para a manutenção da vida humana, uma vez que nos alimentamos. No Brasil, a produção de alimentos para consumo interno está atrelada, de forma expressiva, à agricultura familiar. Segundo a FAO (2018), 80% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros vêm desta forma de agricultura.


As mudanças climáticas e as crises hídricas têm colocado a agricultura familiar em situação de vulnerabilidade, por sofrer em sua produção com o desequilíbrio da natureza e a falta de água. Enquanto os(as) pequenos(as) produtores(as) têm tido a necessidade de se adaptarem para a sobrevivência e serem resilientes, do outro lado, está o agronegócio, o qual explora e usufrui das águas, utilizando de alto nível de tecnologia para captação e distribuição dessa para produção de grãos e a pecuária. Como mostram dados da água referente à produção agrícola no Brasil, onde 67% do seu uso são destinados aos projetos de irrigação, sendo que 50% são perdidos no processo de evaporação; e, 72% são consumidos por todo o setor da agricultura.


As perdas de água, infelizmente, não é o único problema ambiental causado por essa forma de agricultura; a contaminação das águas e mananciais pelos agrotóxicos e fertilizantes, tem colocado em risco a vida humana e a agrobiodiversidade. Cada dia fica mais claro que o grande desafio da atualidade para o setor agrícola é produzir alimentos para a população mundial, sem impactar de forma negativa a água, recurso natural e bem comum - em especial com a redução do consumo, do desperdício e a não contaminação dessa.


Ainda com relação a exploração das águas no Brasil e a inviabilidade da categoria agricultura familiar, é necessário ter atenção em como o agronegócio e a mercantilização da água andam de mãos dadas. Neste ponto da mercantilização das águas, chamamos atenção para o papel das multinacionais, que para além de buscar influenciar e controlar o que comemos – alimentos industrializados – simultaneamente desejam também ter o domínio das águas. Essa exploração já tem provocado danos ambientais em algumas fontes explorada pelo capital privado, como o afundamento do solo e a retirada da água até a sua total escassez. Tornando árida toda a vida no entorno dessas fontes. Esta realidade já é encontrada em algumas regiões do Brasil, como o parque das águas em São Loureço – MG.


Na atualidade praticamente todas as terras agricultáveis com acesso a água ou estão nas mãos do agronegócio ou estão se encaminhando para tal, com a saída maciça de agricultores(as) familiares, ribeirinhos(as) e vazanteiros(as) das suas terras em direção aos centros urbanos, avolumando os bolsões de miséria do país e reduzindo a produção de alimentos saudáveis no campo. Essa realidade de saída dos(as) pequenos(as) produtores(as), agravará a situação de segurança e soberania alimentar no país, que em muito foi abrandada nos últimos anos pela produção de alimentos oriunda da agricultura familiar.


Foi buscando evitar os quadros supracitados de problemas ambientais e sociais que surgiu a agroecologia. A origem da agroecologia é datada do início do século XX, mas, é fortalecida a partir da década de 1970, momento onde diversos grupos da sociedade civil organizada buscavam formas de produzir sem causar danos ao meio ambiente e sem a utilização de agroquímicos, prática recorrente na agricultura convencional, impulsionada pela Revolução Verde.


Na prática agroecológica há a incorporação de diversas ciências, como ecologia, sociologia, antropologia, pedagogia, entre outras. Além de ter na sua base as práticas tradicionais de agricultores(as) e as comunidades tradicionais ao redor do mundo. O modo agroecológico de produzir busca aprimorar os desempenhos ecológicos, tecnológicos e científicos, visando reduzir os custos econômicos, energéticos e ambientais. Sendo, portanto, mais sustentável se comparado aos modelos de agricultura convencional.

A agroecologia se apresenta com uma interseccionalidade de premissas: possui a proposta técnica de cultivo e manejo mais ecológicos e que estimulam a relação harmônica entre ser humano e natureza para a produção de alimentos. Ao mesmo tempo, tida como campo de movimentos sociais que são articulados por uma agricultura mais sustentável, de respeito à natureza e a todas as formas de vida. Atrela-se desta forma, ao uso consciente e à preservação das águas.


A agroecologia tem sido considerada como uma terceira revolução, e de forma geral, segue os seguintes princípios: cria agroecossistemas, onde produção e contexto ambiental estão juntos; oportuniza a adequada recuperação da fertilidade dos solos, através da adubação orgânica, compostagem dos resíduos, pela proteção das camadas superficiais e através do uso cobertura de palhada; incentiva o melhoramento genético de plantas e sementes; utiliza em grande escala o sistema de consórcio, de modo a obter um maior aproveitamento de diferentes espécies por unidade de área; além de uma maior valoração dos(as) agricultores(as) agroecológicos em todo o mundo.


Diante de toda a situação de degradação ambiental, a agroecologia é tida com proposta de humanização da produção agrícola, ao mesmo tempo em que promove a conexão entre os seres humanos e à natureza. Sua mobilização social, ainda se faz presente, no ainda existente contexto emblemático entre o agronegócio e a agricultura familiar, de forma atualizada nos dias de hoje. A agroecologia para se pensar no futuro da agricultura, das águas e das vidas, nunca foi, tão necessária.


A mobilização social da agroecologia em contrapondo ao cenário de exploração e degradação do agronegócio tem como referência a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A agroecologia evidencia a soberania e autonomia dos(as) agricultores(as) com relação ao manejo humano e sustentável dos recursos disponíveis nas propriedades para a produção de alimentos. A agricultura agroecológica, beneficia a preservação das águas por utilizar dos recursos próprios da natureza com consciência, realizar a diversificação da produção e fazer uso de técnicas de manejo que não agridem a este recurso natural. Um exemplo da agroecologia como forma de preservação das águas são os Produtores de Águas. Agricultores e agricultoras que tem em suas propriedades a intensificação das ações de proteção de mananciais e nascentes de água, somadas à produção agroecológica. As mulheres, nesta perspectiva são protagonistas.


A produção agroecológica para além dos já mencionados fatores favoráveis a uma vida sustentável, também fortalece o campo da participação e valoração do trabalho das mulheres rurais. Não só por reconhecer a importância social e econômica da mão de obra feminina no meio rural. Mas, por saber que seja nas atividades produtivas ou reprodutivas, as mulheres realizam uma gestão de alta eficiência no uso da água, de modo a evitar todo e qualquer desperdício, assim como otimizando o uso da mesma através de processos agroecológicos a muito realizado pelas mulheres.


Este texto faz parte de uma série de reflexões sobre Agroecologia e águas. Propomos aqui, a reflexão de como a Agreocologia enquanto técnica e organização social é fator-chave para pensar a preservação de um bem comum tão essencial às todas as formas de vida: a água.



 

Mariana Martins – Administradora Pública pela Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG, mestra em Administração pela UFMG, embaixadora da região Sudeste do Brasil da Campanha Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos – FAO, coordenadora de projetos socioambientais da Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (COOPFAM). E-mail: marianaj_martins@hotmail.com


Simone Santarém – Médica Veterinária pela UFRPE, mestre em Agricultura Familiar pela UnB, embaixadora da Campanha Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos – FAO, líder do Núcleo Casa Nova – Grupo Mulheres do Brasil, Presidente da Associação de Agricultores/as Familiares e Apicultores da Fazenda Santarém e consultora nas áreas de selos para a agricultura familiar e implantação dos ODS em organizações da sociedade civil e municípios. E-mail: flordeumbuzeiro@gmail.com Instagram: @flor_de_umbuzeiro


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