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Sumário da água

Blog da REBOB

Ecologia dos ecossistemas aquáticos e o enquadramento dos corpos d´água

Jamile Marques


A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) foi ratificada em 8 de janeiro de 1997, sendo um dos grandes marcos legais da era democrática brasileira. Inspirada na legislação francesa, em seu quinto artigo a carta brasileira definiu seis inscrumentos para a implementação da PNRH, são eles: plano de recursos hídricos, enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água, a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, a cobrança pelo uso de recursos hídricos, a compensação a municípios e o sistema de informação sobre recursos hídricos.


Enquanto mestranda em Ecologia pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ), estive na Agência Nacional de Águas para um treinamento sobre os instrumentos da PNRH. O enquadramento me chamou atenção e se tornou tema da minha dissertação, pois une de forma intensa e sistêmica conhecimentos sobre política pública, controle social e ecologia aquática, uma vez que a classificação dos corpos d’água em categorias de usos preponderantes ocorre em conformidade com diretrizes ambientais formuladas a partir de consulta ao acervo técnico-científico e mediante a deliberação dos Comitês de Bacia Hidrográficas.


Antes de avançarmos, é importante mencionar o Capítulo I. Art. 2°. Inciso XX da da Resolução n° 357 de 2005, que define o enquadramento como o “estabelecimento da meta ou objetivo de qualidade da água (classe) a ser, obrigatoriamente, alcançada ou mantido em um segmento de corpo de água, de acordo com os usos preponderantes pretendidos, ao longo do tempo”. É importante frisar ainda que a seção II da Lei n° 9.433/1997 em seus artigos 9° e 10° versão sobre o enquadramento:


“Art 9°. O enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água, visa a: I. assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas; II. Diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes.


Art 10°. As classes de corpos de água serão estabelecidas pela legislação ambiental”.


Em cumprimento ao artigo 10° da PNRH, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) elaborou a Resolução n° 357 de 2005. Esta normativa define que o enquadramento representa metas finais a serem alcançadas para o corpo hídrico e que deverão, portanto, serem fixadas metas intermediárias e progressivas de cunho obrigatório. As metas consistem em parâmetros de qualidade da água cientificamente mensuráveis, como Oxigênio Dissolvido (OD), Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), pH, coliformes termotolerantes, cor, sólidos sedimentáveis e temperatura, cujo limite máximo permitido varia considerando águas doces, salobras e salinas, totalizando treze classes de qualidade possíveis. Cada classe de uso é delimitada por padrões. Ou seja, valores limites adotados como requisito normativo de um parâmetro de qualidade de água ou efluente. Ao exceder o valor limite da classe, a água passa a ser enquadrada na classe seguinte. A Resolução n° 357/2005 prevê cinco classes de qualidade (Figura 1).


Figura 1: Classes de qualidade previstas na Resolução n° 357/2005 (Costa, 2009).


O Capítulo I, Artigo 2° da Resolução CONAMA n° 357/2005 define trinta e oito termos técnicos utilizados na normativa. Muitos parâmetros são mensuráveis apenas por meio de equipamentos de laboratório, portanto, os termos inerentes à ecologia aquática utilizados na resolução podem se tornar distantes e até mesmo incompreensíveis para o público não especializado que muitas vezes compõe a plenária dos Comitês de Bacia. Para ilustrar a abrangêcia e complexidade do entendimento, alguns termos da ecologia aquática são descritos no quadro 1.


Conceitos Importantes para Compreensão Ecológica dos Ecossistemas Aquáticos

Conceito

Definição

Espécie

Grupos de indivíduos capazesde se reproduzirem gerando descendentes

férteis.

Abundância

Espécie representada por um grande número de indivíduos, grade quantidade de biomassa, de produtividade ou de outras indicações de importância. (ODUM,1983)

Dominância

Espécie que se encontra em abundância. (ODUM,1983)

Espécies Raras

Espécie que possuem pouca abundância. (ODUM,1983)

Espécies Comuns

Espécie que se encontra em abundância. (ODUM,1983)

População

Grupos de indivíduos de um tipo qualquer de organismo. (ODUM,1983)

Comunidades

Inclui todas as populações que ocupam uma dada área. (ODUM,1983)

Equitabilidade

O padrão de distribuição dos indivíduos entre as espécies. (ODUM, 1983)

Riqueza de espécies

Número de espécies presentes em uma unidade geográfica definida (em uma

comunidade).(BEGONetal,2007)

Diversidade de espécies

O conceito de diversidade de espécies possuidois componentes: (1) riqueza, também chamada de densidade de espécies, baseada no número total de espécies presentes, e (2) uniformidade, baseada na abundância relativa (ou em outra medidade ‘importância’) de espécies e no grauda sua dominância

ou faltadesta. (ODUM, 1983)

Metabolismo aquático (produção, consumo e decomposição)

O movimento dos nutrientes entreos compartimentos bióticos e abióticos e o

fluxo de energia, indicando a forma, eficiência e integridade ecológica do seu funcionamento. (ESTEVES et al, 2011a)

Fatores limitantes

Fator que possui papel central na limitação da produtividade de uma

comunidade. (BEGONetal,2007)

Eutrofização

A eutrofização pode ser natural ou artificial. Quando natural, é um processo lento e contínuo que resulta do aporte de nutrientes trazidos pelas chuvas e pelas águas superficiais que erodem e lavam a superfície terrestre. A eutrofização natural corresponde ao que poderia ser chamado de “envelhecimento natural” do lago. Quando ocorre artificialmente, ou seja, quando é induzida pelo homem, a eutrofização é denominada de artificial, cultural ou antrópica. Nestecaso, os nutrientes podem ter diferentes origens. Este tipode eutrofização é responsável pelo “envelhecimento precoce” de

ecossistemaslacustres.(ESTEVESetal,2011a)

Quadro 1 - Conceitos importantes para a compreensão ecológica dos ecossistemas aquáticos na gestão dos recursos hídricos.


Apesar de muitas vezes não compreendida pelo público em geral, a ecologia de corpos aquáticos deve auxiliar o poder público, os usuários e a sociedade civil a entenderem os motivos que fazem os corpos hídricos serem enquadrados em certa classe de qualidade e não em outra. A qualidade da água define os usos múltiplos possíveis. A Resolução CONAMA n° 357/2005 prevê, portanto, os seguintes usos múltiplos para os recursos hídricos mediante sua classe de qualidade:


Abastecimento para consumo humano

Preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas

Preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral

Proteção das comunidades aquáticas

Recreação de contato primário e secundário

Aquicultura e atividade de pesca

· Dessedentação de animais

· Irrigação

· Proteção das comunidades aquáticas em terras indígenas

· Navegação

· Harmonia paisagística


Apesar da Resolução CONAMA n° 357/2005 ser bastante minuciosa ao definir parâmetros a partir da seção II, é possível lançar mão da interpretação ambiental para auxiliar o público leigo a entender alguns aspectos da ecologia aquática. Como produto final da minha dissertação, elaborei um treinamento prático-conceitual customizado especialmente para membros de Comitês de Bacia visando contribuir para o controle social qualificado. Em outro contexto, em prática educativa que desenvolvo na Lagoa de Marapendi no Rio de Janeiro desde 2014 (Figura 2), reflito com os turistas as possíveis classes de qualidade da lagoa a partir de estímulos visuais e contextuais, como a impossibilidade de realizarmos um mergulho ao final do passeio uma vez que a qualidade da lagoa impossibilita o contato primária, porém ainda é possível realizar a contemplação paisagística, uso já não mais viável em outros corpos d´água urbanos do Rio de Janeiro.


Figura 2. Interpretação ambiental na Lagoa de Marapendi, no Rio de Janeiro.


Jamile Marques, possui mais de 14 anos de experiência no gerenciamento de projetos socioambientais com foco no atendimento das condicionantes do licenciamento ambiental do segmento portuário e de óleo e gás, atuando na iniciativa privada, poder público e terceiro setor. Idealizadora da obra “Gestão de Projetos Socioambientais na Prática: conceitos, ferramentas e casos de sucesso”


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