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Sumário da água

Blog da REBOB

Onde estão as mulheres no Saneamento?



Autoras: Ana P. P. Silveira, Helena L. Carvalho, Regina L. Nery


De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua em 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens. Mais especificamente, a população brasileira é composta por 48,20% de homens e 51,80% de mulheres.


Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil poderia expandir sua economia em até R$ 382 bilhões ao longo de oito anos se aumentasse em 1/4 a inserção das mulheres no mercado de trabalho até 2025. Por trás dessa meta, está uma questão lógica: um país só é capaz de se desenvolver se houver igualdade e justiça social (UNISC, 2020).


A quase totalidade (92,6%) das mulheres no Brasil, de 14 anos ou mais, realiza afazeres domésticos e cuidados de pessoas, em uma média de 21 horas semanais, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), referente ao quarto trimestre de 2018 (IBGE, 2019).


Mesmo depois da entrada no mercado de trabalho, ainda é muito comum na vida das mulheres o que ficou conhecido como dupla jornada: o emprego formal adicionado à rotina de cuidados e afazeres domésticos.


Pensando nisso, nos perguntamos em quais postos de trabalho estão locadas estas mulheres.


Os papéis sociais vistos como femininos ou masculinos ainda influenciam bastante as escolhas de profissões e as desigualdades salariais. Como principal exemplo, o trabalho doméstico remunerado é uma das ocupações que possuem maior incidência de mulheres no Brasil. Segundo a PNAD Contínua, das mais de 6,2 milhões de pessoas empregadas como trabalhadores domésticos, 4,5 milhões (94,1%) são mulheres.


Com relação à construção civil, segundo o IBGE (2019), em um período de 10 anos, a presença feminina em canteiros de obras cresceu cerca de 120%. Alguns estados inclusive, estabeleceram cotas para contratação de mulheres na construção civil, como Minas Gerais que reserva 5% das vagas em obras públicas para trabalhadoras. Porém, se for comparada ao número total de trabalhadores, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, este número de trabalhadoras não chega a ser 10% do total.


Publicações da área da construção civil destacam a organização e o cuidado das mulheres, principalmente no momento do acabamento. A mão de obra feminina, inclusive, costuma ter maior escolaridade se comparada aos homens. De acordo com o IBGE, em Joinville, Santa Catarina, 79,4% das mulheres que atuam nos canteiros de obras possuem ensino básico completo sendo que o percentual entre os homens é de 54,9%.


Segundo o mestre de obras da Cooperativa Esperança, no Rio de Janeiro, Clarindo Soares, o jeito feminino de lidar com a argamassa e com a espátula é bem mais cuidadoso e preciso, "principalmente no revestimento de paredes externas".


Quando se fala do papel da mulher no saneamento, primeiramente é comum se pensar na dona de casa, consumidora dos serviços, mas não há uma reflexão sobre o grande poder que a mulher tem não só para administrar este recurso dentro de casa, mas também para levá-lo até as casas e gerenciá-lo para toda a sociedade.


Segundo o Fundo de População (Agência de Cooperação Internacional das Nações Unidas), as mulheres se deslocam em média 6 km por dia em países pobres, transportando cerca de 20 litros de água. O que, apesar das tristes circunstâncias, mostra além da força e poder, o papel que a mulher tem na garantia do acesso à água nas famílias.


Analisando o cenário e pensando sobre o escopo dos serviços de saneamento, observa-se o maior déficit de mulheres em serviços de campo de saneamento, nos quais, em geral, as mulheres são pré-julgadas como incapazes ou frágeis para atuar. O que é um erro.


Os serviços de campo de saneamento analisados para essa questão, foram:


1.1 Execução de obras (operadoras de máquinas, encanadoras, pedreiras, ajudantes, etc)

1.2 Pesquisa de vazamento por geofonamento;

1.3 Manometria/ Medições de pressão;

1.4 Regulagem e Operação de válvulas;

1.5 Troca de Hidrômetros.


As obras de engenharia, são executadas e administradas por um público majoritariamente masculino. É muito raro observar mulheres atuando, nas obras de saneamento. Existe um tabu por trás disso, que perdura nos dias de hoje: construção civil e obras de saneamento são trabalhos braçais, portanto, devem ser executados por homens.


Ao se pensar em trabalho braçal, frisamos que devem ser analisados caso a caso, pessoa por pessoa, para definir se este colaborador ou colaboradora será capaz de executar o serviço, não podendo ser uma escolha baseada pelo gênero. Vale ressaltar também, que em caso de trabalhos muito pesados ou insalubres, o ideal é que os mesmos sejam automatizados.


Pensando na separação do trabalho por gêneros, apesar da NR 17 – Ergonomia, abordar no item 17.2.5, sobre o transporte manual de cargas, que o peso carregado por mulheres e jovens deverá ser nitidamente menor do que o dos homens, existem hoje, equipamentos utilizados para evitar, para ambos gêneros, que uma carga elevada seja carregada manualmente.


Além disso, só estamos pensando em alguns serviços que exigem uma condição física para atuação, que entrariam no item 1.1, porém, quando falamos dos itens 1.2 ao 1.5, isto não é necessário. Estes serviços exigem treinamento na função e capacidade técnica, nada que deveria limitar os candidatos ao sexo masculino. Assim como nenhuma atividade deveria ser limitada por gênero.


Conversamos com 5 empresas prestadoras de serviços no setor de saneamento e os resultados sobre a quantidade de mulheres que atuaram e/ou atuam nos serviços citados acima foram:


Já tiveram mulheres trabalhando em campo: 1 de 5


Possuem mulheres trabalhando em campo: 0 de 5


Cada vez mais os grandes bancos e órgãos financiadores se preocupam e cobram das empresas, ações voltadas ao empoderamento feminino e às questões de igualdade de gênero, alinhadas à Agenda 2030 e aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS 5. Com base nisso, as empresas com obras financiadas, precisam trabalhar essas questões nas comunidades onde atuam. Essa é uma forma de envolver e desenvolver as mulheres dessas comunidades. Porém, verifica-se na prática que muitas dessas ações são desenvolvidas de uma forma muito “clássica”, onde são oferecidos postos de trabalho normalmente taxados como “femininos” como vagas de auxiliar administrativo, atendimento ao público, cadastramento de clientes, etc. nos quais requisitam delicadeza, e outras características tipificadas como femininas.


Para desenvolver essa temática nas comunidades, a primeira coisa a ser feita é perguntar para essas mulheres o que elas querem e precisam. Essa pergunta pode trazer respostas bastante inusitadas, como o anseio por desenvolvimento técnico, inclusive para atividades e serviços considerados tipicamente “masculinos”.


Uma pesquisa realizada pelo Programa de Capacitação de Mulheres em favelas no Rio de Janeiro, “Mão na Massa” apontou que não havia demanda para ocupações como manicure e cabeleireira, vagas normalmente oferecidas por projetos sociais nas comunidades e que inclusive, algumas mulheres já estavam desenvolvendo atividades relacionadas aos serviços de alvenaria.


A mensagem que queremos deixar aqui é que não há atividade tipicamente feminina ou masculina, mas sim atividades desenvolvidas por pessoas, de acordo com suas habilidades e aptidões e que não devemos deixar as portas fechadas para essas mulheres que querem e precisam trabalhar, as vezes com essas atividades onde há exigência de mais força física.


Agora a questão é: Onde estão as mulheres no campo do Saneamento? Literalmente.

É necessário que as mulheres sejam identificadas não só como quem recebe a água ou como quem necessita dela, mas também como alguém que trabalha em diversas frentes para levar a água e saneamento até a população e está disposta a trabalhar com isso todos os dias em prol de um mundo melhor.


Como a SABESP divulgou em um vídeo em maio deste ano de 2020, comparando a mulher e a água, deixamos a seguinte reflexão: Ela Transforma. Ela Cura. Ela dá Vida!

Mas onde está ela?


 

REFERÊNCIAS


CIMENTO Itambé. Mulheres já são mais de 200 mil na construção civil. 4 de outubro de 2018. Disponível em: <https://www.cimentoitambe.com.br/massa-cinzenta/mulheres-sao-mais-de-200-mil-na-construcao-civil/?

utm_source=newsmassacinzenta&utm_medium=email&utm_campaign=mulheres-sao-mais-de-200-mil-na-construcao-civil&utm_term=post_2&utm_content=out_04_semana_1/>. Acesso em: 14 set. 2020.


COBCONSTRUTORA. MULHERES CONQUISTAM SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL NO BRASIL. COB News. Notícias Nacionais. Disponível em: <http://cobconstrutora.com.br/cobnews/index.php?id=254>. Acesso em: 14 set. 2020.


IBGE. Mercado de trabalho reflete desigualdades de gênero. Agência IBGE Notícias, 2019. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25223-mercado-de-trabalho-reflete-desigualdades-de-genero>. Acesso em: 21.nov.2020.


PROJETO MÃO NA MASSA. História. Formação. Disponível em: <https://www.projetomaonamassa.org.br/index.php/historia/formacao>. Acesso em: 14 set. 2020.


UNISC. Mulher no Mercado de Trabalho: Atuação e Importância, 2020. Disponível em: <https://ead.unisc.br/blog/mulher-mercado-trabalho>. Acesso em: 22.nov.2020.



 

Ana Paula Pereira da Silveira

Possui graduação em Hidráulica e Saneamento Ambiental pela Faculdade de Tecnologia de São Paulo (2012), graduação em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário Fundação Santo André (2007), mestrado em Tecnologias Ambientais pelo Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza e doutorado em Energia pela Universidade Federal do ABC (2020). Atualmente é tecnóloga na Célula de Desenvolvimento da Gestão na Sabesp - MS, representante da Abes na Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental do Estado de São Paulo e coordenadora adjunta da câmara técnica de Educação Ambiental. Atuou como docente na graduação e pós-graduação por 7 anos, é co-autora do livro Ciclo Ambiental da Água: da chuva à gestão e do livro Dessalinização de água.


Helena Luísa de Carvalho

Graduada em Engenheira Civil pela Universidade Paulista, Pós-graduada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), aluna do curso Strengthening Community Health Worker Program de HarvardX. Membro da Câmara Técnica de Gestão e Controle de Perdas e da Câmara Temática de Saneamento Rural da ABES, e também membro do Grupo de Trabalho ESG do Grupo Mulheres do Brasil. Atua como gestora de contratos de perdas de água e eficiência energética na empresa ENORSUL, onde também foi umas das implementadoras do Modelo de Excelência na Gestão, reconhecendo a empresa no Prêmio Nacional de Qualidade no Saneamento em 2019. Atua também como palestrante voluntária sobre Saúde e Saneamento Básico.


Regina Lemos Nery

Bacharela em Gestão Ambiental pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – EACH -USP (2012). Pós-graduada em Gerenciamento de Resíduos Sólidos pelo Centro Universitário do SENAC (2017). Pós-graduada em Naturopatia pela Universidade Paulista – UNIP (2020). Técnica em Saneamento pela Escola Técnica Getúlio Vargas do Centro Paula Souza – ETC Getúlio Vargas CPS (2006). Terapeuta Integrativa na ONG Casa do Zezinho. Cursou Laboratório de Impacto Socioambiental do Insper (2020). Atualmente trabalha como técnica em Sistemas de Saneamento no Planejamento Técnico Sul no Departamento de Planejamento Integrado e Relações Comerciais da Sabesp e faz parte do Fórum de Responsabilidade Socioambiental da MS Sabesp.


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