Em 2019, depois do sucesso da Série Our Planet na Netflix, os parceiros que idealizaram a produção, que trata dos efeitos das mudanças climáticas na biodiversidade, iniciaram um intenso trabalho de articulação com empresas, governos, centros de pesquisa e sociedade civil para discutir os efeitos da perda da biodiversidade nas sociedades modernas – e nos negócios. Para isso, a partir do imenso banco de imagens disponível para a série (mais de dois anos de coleta de imagens em todos os biomas do mundo), foi produzido um documentário específico para o setor empresarial, que é quem de fato tem os recursos para por em marcha as mudanças necessárias para conter o avanço da mudança climática.
O documentário, de 38 minutos, inicia contando a história do nosso planeta, a evolução das espécies, a relação entre elas e o clima e como a biodiversidade foi sendo alterada a partir da intervenção humana. Primeiro com a agricultura, depois com a domesticação de animais até o uso de recursos para impulsionar a vida nas cidades. Já no início traz algumas frases de personalidades mundiais, como presidentes de países, líderes climáticos, cientistas, ativistas. Ao longo do documentário estas pessoas vão mostrando melhor suas posições sobre o momento que estamos vivendo.
Um destaque especial é dado à água, sejam oceanos, rios ou geleiras. Durante milhares de anos a biodiversidade mostrou-se como um complexo organismo vivo que depende muito da água. Os polos agem como um sistema de ar condicionado, refletindo a luz do sol para fora do planeta, mantendo-o frio. O gelo, é como o solo, que acolhe algas responsáveis pelo sustento de cadeias de alimentos muito produtivas nos oceanos frios. A água doce, também chamada de água fresca, leva junto nutrientes vitais por toda a paisagem, atravessando as superfícies terrestres como veias e artérias de um corpo vivo. Os oceanos, fazendo a conexão com os continentes, capturam o calor do planeta e cerca de 90% das emissões CO2. E a riqueza biodiversa de manguezais protegem as terras de ondas erosivas. As belas imagens fortalecem a mensagem de que sem água não seríamos o planeta não complexo e vivo que somos.
O vídeo evidencia que todos os negócios dependem diretamente da natureza. Vem dela tudo o que a humanidade precisa para viver e se desenvolver: ar limpo, água, solo, mares, estações climáticas que garantem a sazonalidade e renovação de ciclos produtivos. No entanto, tanta intervenção no meio natural está deixando o planeta instável para assegurar toda a crescente demanda por bens e produtos. E isso custa caro para todos: para as bilhões de pessoas que ainda não têm o básico para viver com dignidade (alimentação, água, clima, empregos), até os maiores investidores, governos e empresas, que vêm perdendo trilhões de dólares pela destruição do mundo natural. Uma declaração forte, logo no início da produção, dá o tom do que veremos a seguir: “Não haverá empregos num planeta morto”.
Mas o que pode ser considerado como mais importante na narrativa não é o caminho catastrófico que o Antropoceno trouxe ao planeta Terra, mas os muitos caminhos, dos mais simples aos mais complexos e tecnológicos, para enfrentar a emergência climática desta década decisiva para a biodiversidade. O consenso dos participantes é que é preciso fazer mudanças drásticas na produção e consumo mundiais. Em mais uma declaração importante, um líder mundial diz “O setor empresarial não tem outra opção senão ser uma força da mudança”. Estima-se que os serviços ambientais disponibilizados pela biodiversidade aos negócios mundiais equivalem a duas vezes o valor do PIB no mundo. Em contrapartida, se os cenários futuros até 2100 continuarem business as usual, estima-se que o custo com a perda natural será maior que 550 trilhões de dólares, quase o dobro do patrimônio mundial de hoje.
Nesse contexto, fontes de energia e eficiência energética estão no centro da revolução verde necessária. O filme traz cinco objetivos universais para assegurar a vida – e negócios – de forma permanente. O primeiro é carbono zero, e isso significa parar o mais rápido possível o uso de combustíveis fósseis. As renováveis já representam um terço da energia global, mas é preciso buscar os 100%. O segundo objetivo é minimizar os espaços que usamos, impactar menos as reservas naturais para produção: produzir bem em menos espaços e aproveitar os ecossistemas para produções múltiplas, como agroflorestas. A recuperação da saúde dos oceanos é o terceiro objetivo. Além do esforço na despoluição, é preciso tirar dos oceanos somente o que eles conseguem repor naturalmente. E isso está ligado diretamente ao quarto objetivo, que é reduzir os desperdícios. A nova geração de negócios precisa projetar produtos em economia circular, que não acabem com as coisas, mas que usem, reusem, reciclem. Não existe jogar fora. Esses objetivos levam ao último: reimaginar o sucesso. O crescimento pelo crescimento não pode mais ser o atrativo. As economias deverão permitir a prosperidade sem crescer, “ser vibrante, vivo, criativo, regenerativo”. Ou seja, os negócios deverão “imitar a natureza”.
Depois de assistir, não há como discordar da primeira frase que abre o documentário: “o que fizermos nos próximos dez anos terá um impacto profundo nos próximos mil”. O especialista em clima brasileiro Carlos Nobre vem afirmando que temos uma janela de uma década para conter as mudanças climáticas. Parece muito, mas no tempo do planeta, é nada. Por isso é tão importante que a natureza não seja mais vista como algo a ser desbravada e vencida, e sim como a responsável pelas soluções aos graves problemas que a Era dos Humanos trouxe para todos. “O nosso passado já está escrito, mas o futuro está em nossas mãos”, instiga Christiana Figueres, Secretária Executiva da UNFCCC. Façamos então a nossa parte.
Our Planet, Our Business. Netflix, Silver Back, WWF: 2019 (documentário, 38m11s).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lXge95ZF9dc
Alessandra Mathyas é jornalista, ambientalista, amante de História, mãe da Clara, defensora de uma transição energética justa e inclusiva com energias renováveis, Líder da Realidade Climática pelo The Climate Reality Project. https://www.linkedin.com/in/alessandra-mathyas-a379b1100
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