Ações do Programa Ciclo da Água no Saneamento: Caminho Possível para o Engajamento Comunitário Colaborativo no Sistema Água, Saneamento e Saúde Pública
De acordo com documentos apresentados em Nova York, as Nações Unidas estabelecem distribuição de água e saneamento como temas prioritários para se alcançar outros objetivos centrais mundiais a partir de 2015, tendo como maior desafio relacionar o saneamento à água potável. Essa preocupação deve ser considerada, nos processos que envolvem a universalização, que estrategicamente tem como definição maior ampliação dos serviços e proteção ambiental, visando à saúde pública e a melhoraria da qualidade de vida da população. Nessa perspectiva é importante promover o entendimento das interações individuais e coletivas no sistema de abastecimento público de água e saneamento, de forma a possibilitar iniciativas promotoras de mudanças que contribuam com a integridade do sistema e com os aspectos de segurança hídrica, meio ambiente, governança e sociedade. Para tanto, a participação social é fundamental e a educação ambiental uma indispensável ferramenta para deflagrar este entendimento e fomentar a participação de forma mais efetiva.
A partir dessa perspectiva de foi implementado o Programa de Educação Ambiental (PEA), que ocorre de maneira permanente e continuada na SANASA, que é uma empresa prestadora de serviços em abastecimento de água e saneamento de Campinas, na qual trabalho há 25 anos.
O Programa que me refiro é originário de um projeto, por isso trarei um breve histórico desta trajetória.
No período de 2011 a 2017, a SANASA foi prestadora de serviços em um contrato celebrado com o Programa de Recuperação de Água – Reágua, contando com apoio do Banco Mundial que disponibilizou recurso financeiro, a fundo perdido, para municípios localizados no território das cinco bacias hidrográficas de São Paulo, que sofrem extrema escassez de água (Piracicaba/Capivari/Jundiaí, Alto Tietê, Sapucaí Mirim/Grande, Mogi Guaçu e Sorocaba/Médio Tietê).
A abordagem baseada em resultados enfocou projetos com componentes de infraestrutura de água e/ou esgoto, trazendo o uso racional da água em escolas públicas, como subcomponente de perdas, o qual atuei como consultora técnica, para a implementação de um PEA em 200 unidades escolares pertencentes às redes municipal e estadual de ensino.
O contrato do uso racional trouxe como diretriz fundamental atender a meta de redução de consumo, nas unidades que apresentavam elevados índices no volume diário de água por aluno. A ação para o atendimento da meta compreendeu intervenção da engenharia com instalações de equipamentos e dispositivos economizadores e a implementação de um PEA que fosse capaz de efetivar o apoio da diversidade de atores sociais, no âmbito das respectivas comunidades escolares, além de subsidiar atividades pedagógicas sobre o tema e criar mecanismos que garantissem a permanência e continuidade das ações implantadas.
O Programa de Educação Ambiental foi composto pela formação de agentes multiplicadores; palestras e oficinas, tendo como ferramenta de apoio, 01 veículo (furgão) adaptado com instalações para demonstração dos dispositivos e equipamentos instalados nas unidades escolares, denominado Laboratório de Uso Racional da Água, o qual realizava atividades itinerantes para as comunidades envolvidas.
O fato é que graças à aplicação de metodologias da educação ambiental, foi possível trabalhar a realidade local, ouvir a diversidade de atores envolvidos e construir coletivamente todo o processo de implementação das ações. Sendo um grande diferencial para a efetividade dos elementos almejados, e, por sua vez, superou o índice de meta de redução de consumo e ampliou a capilaridade do projeto por meio de um número expressivo de agentes multiplicadores, garantindo significativamente a perenidade das ações.
Tais resultados trouxeram a empresa a uma posição de excelência atestada pelo Banco Mundial, a tornando referência para outros municípios que, na ocasião também tiveram contratos celebrados no Programa do financiamento.
Como desdobramento da experiência bem sucedida no “Projeto de Uso Racional da Água em Escolas Públicas”, no ano de conclusão do contrato (2017), a empresa apoiou a criação do Programa CASA, definido pelo acrônimo ciclo da água no saneamento (também conhecido como ciclo urbano da água), no caso o ciclo compreende a captação, tratamento e abastecimento de água potável, lançamento, coleta e tratamento de esgoto e disposição do efluente tratado no corpo hídrico receptor.
Como ferramenta de apoio, a empresa investiu em mais um veículo adaptado, que são apresentados em conjunto, como Unidades Móveis do Uso Consciente da Água e de Lançamento Consciente do Esgoto. Assumem o papel de uma ferramenta para gerar significado sobre os possíveis impactos (individuais e coletivos) da população ao sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário, sem deixar de considerar as questões da infraestrutura (redes e ligações), e saúde pública.
O Programa propõe inovação à abordagem do tema “uso racional da água, saltando para uma discussão mais ampla sobre o cuidado com a água, cabe à concepção que no sistema do abastecimento de água e esgotamento sanitário, a água está presente como matéria prima (água bruta), produto (água tratada) e efluente. (Santos, 2019). Cabe considerar que em média, o esgoto é composto por 99,9% de água (Santos, 2009).
Ao longo desses anos de atividades é possível afirmar que a abordagem do uso racional da água, pelo entendimento do ciclo da água no saneamento, aguça a percepção dos participantes e fundamenta o fato de que o tema não se limita a visão reducionista de consumo. As reflexões trazidas pela ação apontam que os problemas são sistêmicos, ou seja, são interdependentes e interligados, portanto não podem mais ser tratados de forma fragmentada, como até então tem sido o pensamento vigente.
O Programa CASA tem como objetivo, efetivar o protagonismo individual e coletivo, em contribuição com a mitigação de impactos negativos e potencialização dos impactos positivos. Assim se busca uma transformação dos valores e ideias atuais, substituindo-se o paradigma mecanicista, reducionista por uma nova visão integrativa e orgânica. (SHUBO, 2003, p.1)
O caráter itinerante das atividades ampliou a capilaridade da ação, abrangendo colaboradores da empresa, outras escolas no município, inclusive as da rede privada de ensino, os colégios técnicos e as instituições de graduação. Avançou ainda, para outras comunidades e segmentos da população municipal, como bairros, associações, empresas, indústrias entre outros.
O Ministério da Saúde prescreve que a vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano deve ser implementada em ação articulada intra e intersetorialmente, ou seja, compartilhada entre as diversas esferas de vigilância em saúde e com outros órgãos e instituições que atuam na questão da água, indicando a competência, aos órgãos ambientais e de gerenciamento de recursos hídricos, aos prestadores de serviços de abastecimento de água e aos comitês de bacias hidrográficas. É fato que a qualidade da água que chega à ligação do consumidor tem a garantida do prestador de serviços, porém existe a chance de auxiliar com orientação para manter a qualidade da água recebida nos pontos de consumo e sobre cuidados necessários com o uso da água de outras fontes, uma vez que o uso racional da água também remete a essa ideia e a do reuso domiciliar.
Como exemplo se pode apontar o fato de situações, em que se tornou comum o uso de águas de outras fontes, as quais muitas vezes são coletadas, armazenadas e reutilizadas, de forma inadequada. Desencadeando aspectos que implicam em segurança da água, além de possíveis impactos negativos nas questões de saúde pública.
Esta empresa caminha no sentido de atender às metas de universalização estabelecidas pelo novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), que prevê a garantia de 99% de abastecimento de água e 90% de esgotamento sanitário da população. Sua missão é contribuir para a qualidade de vida da população, atendendo com excelência às necessidades de saneamento básico do município e região, empreendendo e promovendo ações socioambientais. Seu plano de negócios está baseado na análise dos riscos e oportunidades, respeitando as relações de trabalho, clientes, comunidade e o meio ambiente, de modo a assegurar a sustentabilidade socioambiental e a perenidade do negócio. O objetivo da Companhia é avançar no pensamento integrado e nas ações de Responsabilidade Social e Ambiental analisando seus capitais e refletindo sobre seu modelo de negócio.
Por meio deste breve relato, compartilho uma experiência que especialmente ampliou o conceito sobre o tema do uso racional da água, cabe considerar que essa temática configura um grande gargalo para a sensibilização e compreensão na questão de racionalidade, sendo a água presente de alguma maneira, em todas as ações diárias humanas é indispensável que se pense em mudanças possíveis e em como nossas ações diárias impactam tanto o recurso quanto o coletivo, somado a perspectiva de que questões que envolvem a água implicam em saneamento.
Acredito que todos esses elementos revelem fatos sobre a importância da participação social, assim como a da educação ambiental. Espero promover questionamentos e reflexões nos leitores, de modo a contribuir com a eficiência e evolução dos serviços prestados pelo setor água e saneamento, para que o mesmo seja replicado, e, por sua vez venha refletir na qualidade de vida da população. Sem perder de vista, o respeito às peculiaridades das realidades locais.
Ana Lucia Floriano Rosa Vieira
Tecnóloga em Gestão Ambiental; Especialização em: Educação Ambiental e em Gerenciamento de Recursos Hídricos. Responsável pelo Programa Casa na SANASA (Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A) – Campinas- SP. Membro representante da SANASA e da ASSEMAE nas Câmaras Técnicas de Educação Ambiental do Conselho Estadual e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos; Coordenadora da Câmara Técnica de Educação Ambiental CBH PCJ.
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