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Sumário da água

Blog da REBOB

Quem são as mulheres das águas?

Autora: Fernanda Matos


Todo ano, quando chega março, começa-se a falar sobre o papel da mulher na sociedade e nas instituições. Enquanto isso, são difundidas as homenagens em forma de flores e bombons. Mas o que quase ninguém se interessa é por entender, de fato, quem são essas mulheres, sua importância e seu impacto nas tomadas de decisão.


Pensando nisso, realizamos um retrato das mulheres das águas na participação nos comitês estaduais de bacia hidrográfica do Brasil. O objetivo foi procurar saber quem são as mulheres que atuam nesses arranjos.


O cenário encontrado foi de apenas 31% de representação feminina (Matos et al. 2019). Diante dessa não paridade entre homens e mulheres nos comitês, caminhamos rumo a identificação do perfil daquelas que participam dessas instâncias de representação. O recorte de gênero se revelou necessário, pois tratamos da participação feminina e da diversidade nos espaços de gestão dos recursos hídricos do país.


Conforme indicado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) n.º 5, a igualdade de gênero deve nortear as condutas e ações governamentais e privadas. A inclusão de mulheres em condições de igualdade, possui “efeitos multiplicadores no desenvolvimento sustentável”, de modo que a governança se torne realmente democrática, pois, quando há o envolvimento feminino nessas instâncias, aumenta-se a eficácia e eficiência dos arranjos de governança das águas (UN, 2015).


O avanço em governança dos recursos hídricos exige o envolvimento de uma ampla gama de atores sociais, por meio de estruturas de governança inclusivas, que reconheçam a dispersão da tomada de decisão através de vários níveis e entidades. Sendo imperativo reconhecer, por exemplo, a contribuição das mulheres para a gestão local dos recursos hídricos e seu papel nas tomadas de decisão relacionadas à água.


No que se refere ao segmento de representação encontramos que as mulheres estão mais presentes no segmento de entidades ligadas à Sociedade Civil: 37,9% das respondentes pertencem a este segmento. Elas também ocupam 21% das cadeiras dos representantes do poder estadual, 19,5% do municipal e 2,81% do poder público federal. Já na parcela dos usuários de águas, as mulheres representam 18,7% dos membros desse segmento. Como preconizado pelo GWP (2014), às diferenças e desigualdades entre homens e mulheres determinam como os indivíduos respondem às mudanças na gestão dos recursos hídricos; e nesse sentido, envolver mulheres e homens nas iniciativas integradas deste recurso, pode aumentar a eficácia e a eficiência dos arranjos de governança das águas.


Quando olhamos a distribuição da participação feminina nos CBHs por região e por estado, encontramos percentuais médios de maior equilíbrio entre os estados que a compõem, foi na região Centro-Oeste com 34% de mulheres entre os membros dos comitês estaduais de bacia hidrográficas. Na sequência, a região Nordeste, com média de 31%, com destaque para os estados de Sergipe (43%) e Rio Grande do Norte (41%). Na sequência, na região sul, apareceram os estados de Santa Catarina (38%) e do Rio Grande do Sul (37%), apresentaram os percentuais mais elevados de participação feminina. Quanto a região Norte, não foi possível calcular a média participativa das mulheres nos comitês, tendo em vista que não obtivemos dados suficientes para se chegar a um percentual amostral mínimo.


Na região Sudeste encontramos a menor média de participação feminina nos comitês estaduais de bacia hidrográficas (29%). Entre os estados, o Rio de Janeiro foi o que apresentou melhor percentual (39%) e, do outro lado, o Espírito Santo, com o menor índice de presença feminina (19%). Assim, os comitês deste último estado demonstram possuir a menor diversidade de participação, com percentual de mulheres-membros, bem abaixo da média nacional (31%), a qual também não reflete a equidade participativa entre os gêneros. De modo geral, os dados revelaram grande disparidade de representação feminina nos comitês.


Essa é a região com maior número de comitês de bacia constituídos do país, com 80 unidades. A criação da maioria deles ocorreu entre os anos de 1991 a 2001, alguns inclusive formaram-se em período anterior à Política Nacional de Recursos Hídricos. Porém, não foi possível observar uma correlação entre o tempo de existência dos comitês estaduais de bacia hidrográficas e a participação feminina.


Outro aspecto importante é a faixa etária das mulheres representantes dos comitês, como pode ser observado no Gráfico 01. O maior percentual encontrado foi o da faixa etária entre 31 a 40 anos (28%) e o menor de 2% para mulheres com mais de 70 anos. As representantes apresentaram perfil jovem, 41% delas possuem idade de até 40 anos. O que difere do perfil nacional, sem a marcação generificada, cuja faixa etária que apresentou maior índice de atores é a que está compreendida entre os 51 e 60 anos, representando 30% dos membros. Já os representantes mais jovens com até 40 anos, no perfil nacional, juntos, apresentaram um percentual de 30%.


Gráfico 01 – Faixa etária das representantes Gráfico 02 - Grau de escolaridade



As mulheres, embora sejam minoria nesses arranjos institucionais, estão começando a participar dos comitês mais cedo do que os homens. E, como veremos mais adiante, no quesito permanência, a conjugação desses dois aspectos pode se mostrar promissora, em um futuro próximo, para a participação em paridade das mulheres nos comitês de bacia. Somado a isto, está a escolaridade das mulheres-membros, 91,1% das representantes que participaram da pesquisa possuem, no mínimo, o ensino superior completo, como pode ser observado no Gráfico 2. Desse percentual, mais de 70,8% delas ingressaram na pós-graduação. Ou seja, as mulheres apresentaram uma altíssima escolaridade, apesar de estarem em número reduzido. Situação que se difere do perfil nacional encontrado, no qual apenas 59,7% daqueles que responderam aos questionários, ingressaram na pós-graduação.


No quesito área de formação, as representantes informaram terem se graduado nos cursos das áreas de Engenharia (26%); Ciências Biológicas (20,7%); Ciências Sociais Aplicadas (18,1%). Na sequência foram citadas as áreas de Antropologia (10%); Ciências Agrárias (9%); Multidisciplinar (6,6%); Ciências Exatas (6,1%); Linguística (1,8%); Ciências da Saúde (1,6%). Assim como no perfil nacional, há a predominância das Engenharias, entretanto, percebeu-se maior equilíbrio percentual entre as outras diversas formações.


Outra questão perguntada às representantes foi sobre o tempo delas na participação e representação nos comitês de bacia, 19,4% delas estão há menos de 1 ano nos comitês; 52,7% de 1 a 5 anos; 15% de 6 a 10 anos; 6,8% de 10 a 15 anos; 4,6% de 16 a 20 anos; 1,6% participam há mais de 20 anos. Esse cenário se mostra promissor para que as mulheres alcancem percentual relevante de participação, desde que haja práticas que as incentivem a permanecer como representantes dos comitês de bacia. Todavia, não nos foi possível analisar esse tempo de permanência quanto à renovação e rotatividade, pois o tempo de exercício do mandato do membro é definido em cada regimento interno dos CBHs, não havendo uma padronização quanto a duração dos mandatos.


Ainda sobre esse perfil participativo, observou-se que 60,3% das representantes dos comitês de bacia participam somente deles e 39,7% também atuam em outros organismos participativos de áreas diversas, como educação, saúde e etc. Além disso, 22,5% das representantes responderam que participam, além dos comitês de bacia, de outros arranjos de gestão de recursos hídricos, como o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (3%); o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (12%); o Fórum Nacional de Comitês de Bacia (5%); o Fórum Estadual de Comitês de Bacia (1%); e outras instâncias (1%). O que demonstra que a rede de gestão da água no país está interligada, as deliberações tomadas em nível de comitê podem estar e advir de outros arranjos, sendo influenciados por eles, a fim de atender a Política Nacional de Águas.


A participação social é um processo que se constrói e se incentiva no cotidiano dos diferentes segmentos da sociedade organizada. Devendo ser estimulada e promovida sobretudo para mulheres em suas diversas nuances. Tendo em vista que as mulheres fazem partes de grupos heterogêneos, em que as relações de gêneros se concretizam de formas diferentes, associadas a outras categorias, como raça, classe, renda e escolaridade.


Por fim, nos comitês de bacias hidrográficas, torna-se preciso buscar a equidade de gênero, tratando as mulheres com igualdade, porém com respeito às diferenças. Acreditamos que a presença das mulheres é fator importante para a gestão e preservação das águas, e esse olhar da igualdade de gênero está em consonância com a diversidade e com a democracia que se espera dos espaços de representação política. Desse modo, a situação encontrada, a disparidade de gênero nos comitês de bacia, compromete a governança das águas do país, sobretudo por se tratar de bem comum, finito e imprescindível para a manutenção da vida, o qual deveria ser gerido mediante discussões ampliadas a envolver as diversas camadas da sociedade brasileira. Espera-se que esses arranjos de governança devam ser inclusivos, sendo capazes de incluir todos os indivíduos nos processos deliberativos e decisórios, independente das posições de poder que ocupem nas relações sociais. Desse modo, percebe-se a necessidade de uma participação mais equilibrada, em termos quantitativos, de mulheres e jovens nos comitês de bacia e, consequentemente, na gestão dos recursos hídricos.



Referências

GWP - Global Water Partnership. Rio+20: Water Security for Growth and Sustainability. Sweden, 2012.

MATOS, F; Hernandez-Bernal, N.A.; Ckagnazaroff, I. B: Carrieri, A. P (2019) Water resources governance: analysis of the profile and the shaping of the representative members of the Watershed Organisms in Brazil. Global Water Security Issues (GWSI) Paper Series. UNESCO i-WSSM and UNESCO Headquarters.

UN - United Nations. (2015). Agenda for Sustainable Development. 2015.



 

Fernanda Matos

Pesquisadora em Residência Pós-Doutoral em Administração na UFMG.

Sub-Coordenadora do Projeto Governança dos Recursos Hídricos no Brasil, financiado pela CAPES/ANA; Membro do Núcleo de Estudos Organizacionais e Sociedade (NEOS UFMG), do Observatório de Governança das Águas; Embaixadora das Águas e Líder da Realidade Climática, treinada por Al Gore em 2014, também trabalha diretamente como Mentora aqui no Brasil.

Pesquisadora. Professora. Profissional. Escritora acadêmica. Revisora Técnica. Voluntária. Editora. Aprendiz de poeta. Aluna. Estudante. Sonhadora. Doadora de mudas. Dona de casa. Esposa. Filha. Mãe. Mulher. Apaixonada por música, fotografia, cinema, teatro e principalmente, pelos livros.



* Este texto foi adaptado de um artigo produzido em 2019, mas que apenas recentemente foi publicado (As Mulheres das águas: algumas reflexões sobre a participação feminina nos comitês de bacias hidrográficas no Brasil).

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