Artigo escrito por Sofia Jucon, via Ecowords
Um recente relatório publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU), denominado “Perspectivas do Meio Ambiente Mundial”, apresenta um quadro sombrio sobre as consequências para a sociedade da degradação da qualidade ambiental planetária. Com relação a água, o relatório mostra que uma em cada três pessoas no mundo, cerca de 2,3 bilhões de habitantes, não tem acesso ao saneamento. Além disso, aponta que, desde o ano de 1990, está sendo observada uma significativa piora da qualidade da água em todo o planeta.
Em 2017, prevendo esses dados negativos, a ONU chamou a atenção para o reaproveitamento das águas residuais tratadas, através do reúso, como uma alternativa para enfrentar a escassez hídrica do planeta e o desperdício. A proposta, defendida no Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos, era utilizar esse recurso com segurança para evitar disputas pelas bacias e os altos custos de se buscar água cada vez mais longe. “As águas residuais são um recurso valioso em um mundo no qual a água é finita e a demanda é crescente”, afirmou na época, Guy Ryder, presidente da UN Water.
Reúso de água é uma realidade
Na maioria dos países, o reúso da água para fins não potáveis já é uma realidade em grandes indústrias e deve aumentar, segundo estimativas da ONU, em 50% até 2020. Pelo menos 50 países, entre eles o México e a China, também utilizam esse recursos para irrigação agrícola, o que representa cerca de 10% de todas as terras irrigadas. No Brasil, são realizados estudos experimentais pela Sabesp em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), visando a utilização do reúso na agricultura, mas a falta de legislação específica impede que a prática seja aproveitada em maior escala. O professor Ivanildo Hespanhol, que foi um dos grandes especialistas que tivemos neste assunto no Brasil, sempre defendeu o uso das águas residuais tratadas, alertando sobre a importância de trabalharmos em prol da segurança hídrica no País. Falecido em janeiro deste ano, ele, que era diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso da Água (Cirra), vinculado à Escola Politécnica da USP, afirmava que o reúso pode servir para aumentar o abastecimento de água potável.
Professor Ivanildo sempre pontuou que trata-se de uma solução moderna, economicamente viável e que conta com tecnologia comprovadamente eficaz, inclusive essa prática já existe em diversos países, entre eles Estados Unidos, África do Sul, Namíbia e Cingapura. “Nunca foram detectados problemas de saúde pública associados ao reúso nessas nações”, afirmava.
Segurança hídrica integrada aos ODS
A qualidade da água depende de como os demais compartimentos ambientais de uma bacia hidrográfica são manejados. Segundo Cleverson V. Andreoli, professor do Mestrado Profissional em Governança e Sustentabilidade do ISAE Escola de Negócios, os problemas de segurança hídrica, relacionados com a disponibilidade do recurso e das cheias, têm causas globais, como as alterações climáticas, e causas locais, como a urbanização em áreas inundáveis e impermeabilização do solo. Para ele, o seu gerenciamento necessita ser integrado considerando os diversos fatores para que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) sejam efetivamente alcançados.
O especialista atenta que a gestão de recursos hídricos exige uma nova governança que garanta a eficácia da aplicação de políticas que orientem a sustentabilidade dos processos. “A gestão preventiva dos problemas ambientais é muito mais adequada, além de ser mais barata. As medidas mais importantes são aquelas que incorporam a consideração dos impactos ambientais nas decisões econômicas, em direção a uma economia circular, que maximize a otimização dos usos dos recursos e a reciclagem, equilibrando as dimensões ambientais, sociais e econômicas de novos projetos”, assinala.
Conforme Andreoli, esses mecanismos devem ser capazes de inserir nos processos de tomada de decisão o conceito de que o meio ambiente saudável é a base principal da prosperidade econômica e do bem-estar social.
Benefícios para a sociedade
Independentemente de políticas globais, as empresas e as pessoas devem adotar medidas para aumentar a eficiência do uso dos recursos hídricos, por meio da reciclagem da água (aproveitamento do esgoto tratado), a utilização de águas pluviais e a adoção de tecnologias mais avançadas para a melhoria desse bem planetário tão importante. “Além disso, os grandes empresários não podem esquecer que o aumento da eficiência no uso do insumo amplia a competitividade das empresas e, principalmente, traz muitos benefícios para a sociedade”, salienta Andreoli.
Na área urbana, com uma boa gestão pública e iniciativas da sociedade privada, os usos potenciais atendem atividades, como:
irrigação de campos de golfe e quadras esportivas
faixas verdes decorativas ao longo de ruas e estradas
torres de resfriamento, parques e cemitérios
descarga em toaletes
lavagem de veículos
reserva de incêndio
recreação
construção civil (compactação do solo, controle de poeira, lavagem de agregados e produção de concreto)
limpeza de tubulações
sistemas decorativos tais como espelhos d’água, chafarizes, fontes luminosas
Um exemplo de reuso em casa é da água do tanque ou da lavadora de roupas, que podem servir para lavar banheiros, quintais, garagens e calçadas. Dados divulgados pela fabricante de máquinas de lavar, Panasonic, demonstram que se um equipamento for utilizado para lavar roupas três vezes por semana, fazendo reúso da água, a economia anual da residência pode ser de mais de 40 mil litros, o que equivale a 80 caixas d’água de 500 litros.
“Pacote das águas”
Nesse sentido, desde a adoção do consumo racional de água no meio empresarial até o uso individual, o reúso deve ser considerado em todos os ambientes. Em casa, por exemplo, podemos reutilizar o insumo descartado pela máquina de lavar roupas em vasos sanitários, ou mesmo para lavar quintal ou calçadas. Além disso, muitas cidades e prédios também já utilizam água de reúso.
A crise hídrica ocorrida em São Paulo, em 2014, trouxe reflexos traumáticos e estimulou a busca de soluções, como a do vereador Gilberto Natalini (PV-SP), que propôs um conjunto de leis que se denominou o “Pacote das Águas”, reunindo projetos de leis de diversos vereadores. Natalini é autor da Lei nº 13.309/2002, substituída e ampliada em escopo pela Lei 16.174/2015, que determina que se faça uso de água de reúso para lavar ruas, calçadas, áreas públicas, caminhões de lixo, entre outros usos, economizando bilhões de litros de água potável.
A água de reúso é produzida a partir do tratamento do esgoto ou pela captação e tratamento simplificado da água de chuva. Já os edifícios poderão também criar sistemas de coleta, estocagem e uso na irrigação de áreas verdes, por exemplo. “Essa é uma colaboração que o nosso mandato deu para economizar água na cidade de São Paulo”, disse Natalini.
No entanto, quando falamos de reaproveitamento ou reúso de água e aproveitamento de água de chuva, existe uma diferença, pois cada tipo tem uma necessidade diferente de tratamento, manejo e da localidade (rural ou urbana). No próximo post vamos entender qual a diferença desses tipos de águas e como tirar o melhor proveito.
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