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Sumário da água

Blog da REBOB

A Água e o Empoderamento das Mulheres


Rose Maria Adami

CBH RIO URUSSANGA/SC


A reivindicação e participação das mulheres, independente do nível de educação, cultura e renda, nos processos de tomada de decisões da sociedade organizada é um assunto muito discutido por diferentes profissionais das áreas humanas e já rendeu belas discussões sobre os distintos pontos de vistas desses profissionais. Mas, todos concordam que as mulheres que batalham para conquistar acessos nos espaços decisórios do mundo das políticas públicas e sociais enfrentam resistências no âmbito familiar, cultural, social e institucional, por ser um espaço de representação democrática ocupada, principalmente, por homens.


Nas instâncias colegiadas do sistema de gestão de recursos hídricos, essa desigualdade de gêneros não difere dos outros sistemas de poder em questão. Durante a realização do 8º Fórum Mundial da Água, na Vila Cidadão, tive a oportunidade de relatar a Roda de Conversa intitulada “Mulheres e a Água”, moderada por Neusa Barboza com a participação de Daniela Nogueira (UNB), Alice Boumann (Holanda), Rosana Garjulli (Universidade Federal do Ceará) e Lavrina Anastacia (Azerbaijão). Nesta Roda de Conversa ocorreu um incentivo às mulheres na participação em discussões relacionadas à água, nas diferentes escalas dos sistemas decisórios do Brasil e do mundo, já que a água é um recurso que possibilita o empoderamento das mulheres.


As palestrantes enalteceram que as mulheres são como a água, fontes geradoras de vida no planeta. No entanto, nos diferentes contextos geográficos de cada país repletos de diversidades, do ponto de vista cultural, econômico, social e geográfico, a grande maioria das mulheres não participa ativamente dos processos decisórios relacionados à água, mesmo sendo responsável por manter a água em suas casas, junto com as crianças, e estando presente nas instituições de gestão de recursos hídricos. Esses cargos são geralmente ocupados por homens que, alguns deles, mesmo não tendo muito conhecimento do tema em discussão, participam ativamente dessas instâncias deliberativas. O que é visto por Alice Bourman como um ponto negativo, pois dificulta a inclusão da discussão da temática “gênero e água” nas diferentes instâncias colegiadas do processo de gestão de recursos hídricos.


As mulheres, muitas vezes, se colocam em um papel de coadjuvantes, seja nas classes sociais mais elevadas como nas classes mais baixas. Nas classes sociais mais elevadas algumas mulheres se destacam enquanto líderes de diferentes segmentos relacionados à água, mas a grande maioria apenas assume o papel de auxiliar os homens nas diferentes instâncias decisórias. Nas classes sociais mais baixas, em que não há saneamento básico instalado, a situação é bem pior, pois as mulheres, juntamente com as crianças, assumem o árduo trabalho de buscar água e transportar utensílios pesados por longas distâncias. Mesmo sendo um trabalho que requer força, não é efetuado por homens, visto que é considerado um trabalho de mulheres e crianças.


A ideia da introdução do olhar feminino nos sistemas decisórios surge na Conferência de Dublin, realizada na Irlanda, nos anos de 1970, que destaca a importância das mulheres na participação, administração e proteção da água no planeta. Desde a Conferência de Dublin muitas ações foram realizadas para que as mulheres adotassem posições de poder e garantissem a sua participação na efetividade de gestão de recursos hídricos. Mas como as mudanças de comportamentos demoram certo tempo para acontecer, o empoderamento das mulheres nas esferas de poder começa a sobressair somente nos últimos anos, principalmente com auxílio de organizações que incentivam ações coletivas e humanitárias e com leis mais democráticas e participativas.

Desde a Conferência, iniciativas de inserção das mulheres nas instâncias decisórias da gestão de recursos hídricos acontecem em vários lugares do mundo e as mulheres já descobriram sua força e poder nos processos decisórios. Porém essa situação ainda é um grande desafio. Contudo, existem algumas mulheres empodeiradas do seu potencial que desenvolvem ações concretas em prol das águas nos diferentes países, e, juntamente com auxílio dos homens, influenciam na tomada de decisões políticas e sociais para benefício da coletividade.


A água é um importante instrumento de empoderamento para as mulheres assumirem um posicionamento. Para as palestrantes da Roda de Conversa intitulada “Mulheres e a água”, durante o 8º Fórum Mundial da Água, este fato ainda é um imenso desafio e é preciso juntar forças e atrair cada vez mais meninas e mulheres para participação e discussão desse tema tão importante para a vida no planeta Terra na intenção de multiplicar a ideia de empoderamento e de participação social.


As palestrantes e a plateia sugeriram, como ações e desafios a serem desenvolvidos e alcançados, que as mulheres já ativas no processo de empoderamento, possam multiplicar essa ideia e incentivar mulheres de outras classes, credos e etnias para as lideranças nas questões das águas. Na oportunidade também foi levantada a criação da Rede de Mulheres Latino Americana para a Água, e a inclusão nas pautas de instituições, como organizações apoiadas pela ONU, órgãos ambientais, sistema de gerenciamento de recursos hídricos, comitês de bacias hidrográficas, sobre a inserção das mulheres nas discussões decisórias sobre a gestão de recursos hídricos.


Os comitês de bacias hidrográficas, responsáveis pela efetivação da política de recursos hídricos no Brasil, são órgãos colegiados com poderes deliberativos, consultivos e normativos que, por meio da gestão descentralizada e participativa, têm o poder de debater, arbitrar e propor ações, no intuito de planejar as águas de rios e reservatórios das bacias hidrográficas. Nesse campo típico do poder dos homens, as mulheres têm buscado seus espaços de participação e representatividade, mesmo que ainda não de forma igualitária.


No Comitê da Bacia do Rio Urussanga, localizado no Sul de Santa Catarina, no qual atuo como técnica em recursos hídricos, a inserção das mulheres nas discussões decisórias sobre o processo de gestão de recursos hídricos é um pouco tímida. O Comitê, criado pelo Decreto Estadual nº 4.934/2006, é o órgão colegiado composto de 40 assentos, distribuídos em 16 representantes das entidades da população da bacia, 16 representantes dos usuários da água e 08 representantes dos órgãos públicos estaduais. A área do Comitê abrange a bacia do rio Urussanga e o sistema lagunar, com população aproximada de 118.439 habitantes distribuídos em uma área total de 679,16 km2, em 10 municípios.


Dos 40 assentos do Comitê, 34 deles são ocupados por homens, ou seja, 85% das entidades que compõem o Comitê designam seus representantes do sexo masculino para serem seus membros titulares e somente seis entidades (15%) designam mulheres para esse cargo. Quando analisamos os dados mais minuciosamente é possível perceber que nos segmentos dos usuários de água, 100% dos membros titulares são de sexo masculino; da população da bacia e do poder público, 75% deles, respectivamente. Essa situação não melhora muito quando analisamos os membros suplentes, pois o predomínio nas representatividades ainda é dos homens, ou seja, 28 entidades (70%) indicam homens para serem seus representantes no Comitê Urussanga e apenas 12 delas (30%) indicam as mulheres para serem membros suplentes. No entanto, a presidência do Comitê Urussanga é ocupada por uma mulher, membro suplente do segmento dos usuários de água, reconduzida ao cargo no final de 2018, e toda a equipe técnica da Entidade Executiva que administra o Comitê é composta por mulheres.


Todavia, a participação social, fundamental para a governança democrática dos recursos hídricos, não se limita apenas aos números de assentos dos segmentos que representam os comitês de bacias hidrográficas. A participação é um processo que se constrói e se incentiva no cotidiano dos diferentes segmentos da sociedade organizada. Mesmo porque, as mulheres fazem partes de grupos heterogêneos, em que as relações de gêneros se concretizam de formas diferentes.


Vista por esse prisma, a participação das mulheres ao conhecimento dos meios físicos, biológicos, sociais e econômicos do território da bacia do rio Urussanga é constantemente incentivada pelo Comitê, por meio de cursos de capacitações em educação ambiental voltada aos recursos hídricos e projetos de pesquisa e extensão. Conhecimentos estes que possibilitam a segurança necessária para as mulheres disputarem um assento no Comitê e fazerem parte das discussões e pactuações do sistema decisório desse organismo de bacia.


De 2012 a 2016 foram realizados cinco cursos de capacitações, com carga horária de 20 horas, e 68,7% dos participantes eram mulheres de diferentes formações profissionais, como engenheiras, biólogas, geógrafas, geólogas, gestoras públicas, membros do Comitê, professoras das redes estadual, municipal e particular dos municípios inseridos na bacia hidrográfica. Nesses cursos, os participantes foram estimulados à construção de espaços de diálogos, com elaboração de propostas de ações coletivas e práticas ambientais que reforcem a autonomia e a participação de forma consciente, nas decisões relacionadas aos recursos hídricos nos seus ambientes de trabalho. Nos projetos de pesquisa e de extensão desenvolvidos nas escolas, nos anos de 2015 a 2019, na grande maioria das vezes são as mulheres que estão à frente no desenvolvimento de novas metodologias de pensar a água como um eixo norteador de ações educativas voltadas à participação social e à cidadania na proteção das águas da bacia do rio Urussanga.


Nos comitês de bacias hidrográficas e em outros sistemas decisórios do processo de gestão de recursos hídricos é preciso buscar a equidade, tratando as mulheres com igualdade, porém com respeito às diferenças. Os desafios são muitos, principalmente porque vivemos em uma sociedade muito voltada para os aspectos masculinos, mas de forma harmoniosa é preciso ocupar e fazer chegar nossas representantes com potencial e capacidade para decidir, de igual para igual com os homens, nos diferentes espaços democráticos dos sistemas decisórios brasileiros.



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