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Sumário da água

Blog da REBOB

A incorporação de gênero na gestão dos recursos hídricos


Autora: Dulce Tupy


A água é um recurso natural vital no planeta. Sem a água não há vida! Os usos da água ao longo do tempo refletem valores culturais. Homens, mulheres, idosos e jovens, fazem usos diferenciados da água e todos devem participar da gestão integrada da água. Essa é uma premissa da Lei Federal 9433, a chamada “Lei das Águas”, promulgada um ano após a Nova Constituição - a “Constituição Cidadã” - no Brasil.


Por sua natureza, a relação das mulheres com a água é visceral, porque a mulher porta dentro de si o habitat natural da humanidade, o ventre materno, onde nascem e sobrevivem todos os embriões humanos. O útero materno pode assim ser considerado o primeiro habitat da humanidade! Além disso, cabe às mulheres, em praticamente todas as civilizações do mundo, a assistência à família, à saúde e à agricultura.


Sem água, não há riqueza, não há bem-estar social. No entanto, é necessário ter igualdade de gênero na gestão da água, para se alcançar a justiça social e a sustentabilidade ambiental. É preciso incorporar o gênero na Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH) para melhorar a eficiência do uso da água, o cotidiano das famílias, a saúde das comunidades e a vida de todos e todas. Assim, a GIRH preconizada pela Lei das Águas visaria o uso sustentável da água, com participação da mulher e equidade de gênero.


Mas no sistema patriarcal, a mulher ainda é vista como fraca, dependente e vulnerável, na maioria dos países, especialmente na Ásia, África e América Latina. Este é um cenário recorrente, mas que vem mudando nas últimas décadas. O ano de 1975 é um marco, neste sentido, quando foi declarado pela ONU (Organização das Nações Unidas) o “Ano Internacional da Mulher”. Após a “Conferência da Mulher” realizada no México, tudo então começa a mudar.


Em Nairobi, no Quênia, em 1985, a” III Conferência Mundial da Mulher” declarou a “Ação Mundial pela mulher, com vistas ao Desenvolvimento Sustentável”, visando o controle da degradação ambiental e o uso da água. Aos poucos a mulher foi sendo reconhecida em sua posição central na família e na comunidade. Afinal, é ela a responsável pela saúde, higiene e alimentação da família. E assim vem sendo reconhecida como fator essencial também na gestão da água.


Em 1992, a “Conferência sobre o Meio Ambiente” realizada em Dublin, Irlanda, poucos meses antes da famosa Rio-92, realizada no Rio de Janeiro, destacou o papel substancial das mulheres no gerenciamento do meio ambiente e do desenvolvimento do planeta. Em seu Princípio 3, a “Carta de Dublin” realçava o papel decisivo da mulher na provisão, gerenciamento e proteção da água. Mas esse reconhecimento não se refletia na estrutura institucional e no gerenciamento do meio ambiente, especialmente da água.

Na Rio-92, ou Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, no Brasil, a “Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento” destacou ainda mais o papel da mulher como usuária, provedora e guardiã da água. A partir daí, estabeleceu-se uma “Ação Mundial pela Mulher, com vistas ao Desenvolvimento Sustentável”, endossando estratégias aprovadas em 1985, na “III Conferência da Mundial da Mulher”, no Quênia, incluindo o controle da degradação ambiental.


Um dos desdobramentos resultantes da Rio-92 foi a Agenda 21, que definiu em 2001 a participação das mulheres como essencial para o desenvolvimento sustentável. No Brasil, a “Ação das Mulheres” - uma rede de parcerias entre ONGs (Organizações Não Governamentais) – órgãos estatais e iniciativa privada fortaleceu a importância da participação das mulheres na gestão do meio ambiente, especialmente na gestão das águas. Lentamente, a Agenda-21 começou a se consolidar no Brasil, em estados e municípios - ou grupos de municípios - como foi o caso do Fórum da Agenda-21 Comperj, no Rio de Janeiro, que abarcou vários municípios no Leste Fluminense, numa área de influência da Petrobras.


Uma das metas das Agendas 21 foi a divulgação dos 8 Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), um programa com metas para todos os países signatários cumprirem até o final do século XX, onde a Meta 3 destacava a necessidade de fortalecer as mulheres, sobretudo na gestão da água. O ODM 3 visava “Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres” - contemplando o desenvolvimento sustentável.

O ano de 2008 foi declarado, então, “Ano do Gênero e Água”, com indicação de várias ações para a promoção da mulher na gestão das águas, em diversos países e continentes. Esta proclamação surgiu a partir do reconhecimento internacional de que as mulheres e meninas gastavam muito tempo buscando água para o lar; um tempo que poderiam empregar na educação ou no seu próprio desenvolvimento. Foi comprovado que mulheres e meninas empenhavam cerca de 8 horas carregando em média 40 litros de água, em latas ou galões de água.


Portanto, mulheres e meninas tornaram-se reconhecidamente as principais vítimas da falta d’água no mundo, o que dificulta uma higiene adequada e a manutenção da saúde. A água contaminada prejudica especialmente crianças e mulheres, provocando enfermidades como desinteria, equistossomose, dengue, zica, xicungunha, malária, cólera e outras doenças de veiculação hídrica. Assim, tornou-se cada vez mais urgente a participação das mulheres na gestão da água, pois a incorporação do gênero pode melhorar a eficiência do uso da água e da sustentabilidade.


Desenvolvimento Sustentável


Vinte anos depois da Rio-92, a Rio+20, realizada também no Rio de Janeiro, favoreceu a sistematização dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que substituíram os ODM e a Agenda 21, e foram incorporados à Agenda 2030. O capítulo 5 dos ODS – Igualdade de Gênero - visa alcançar não só a igualdade dos gêneros, mas empoderar mulheres e meninas para a sustentabilidade, tendo em vista que as mulheres são as mais prejudicadas e as mais vulneráveis à pobreza em todo mundo.


Em sua meta 5.1, o ODS 5 estabelece: “Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte”. A meta 5.4 estabelece: “Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado por meio de disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção de responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais”. E a meta 5 propõe: “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”.


Já o ODS 6 – Água Potável e Saneamento – visa “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos”. Em sua Meta 6.1, afirma a necessidade de alcançar o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos, até 2030. Em sua Meta 6.2, “Alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativo para todos e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade”.


Em março de 2018, o 8 Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília-DF, inovou com a criação da Aldeia Cidadã, voltada para a participação da sociedade civil. A Aldeia Cidadã foi palco de importantes discussões sobre a crise hídrica, saneamento e gestão participativa da água. Aberta aos jovens, povos indígenas, comunidades rurais e também mulheres, entre outros segmentos sociais, abrigou a “Academia de Formação Embaixadoras da Água”, do Projeto Plante Água, da BPW Brasil, coordenado por Yara Blotchein. Foi um marco que se difundiu nos encontros da REBOB (Rede Brasileira de Organismos de Bacia), abrindo espaço para as mulheres nos ENCOB (Encontros Nacionais dos Comitês de Bacias Hidrográficas), que se realizam anualmente.



Dulce Tupy, é Jornalista, edita o jornal O SAQUÁ e dirige a TUPY Comunicações. Cofundadora do Consórcio Intermunicipal Lagos São João, é membro do CBHLSJ. Ativista ambiental. Membro da Rede da GWA e outras ONGs.

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