Cristiane Kreutz
Maristela Denise Moresco Mezzomo
Este relato tem o intuito de compartilhar uma experiência vivenciada durante o desenvolvimento de projetos de extensão universitária entre os anos de 2015 e 2017 em um assentamento rural de reforma agrária, localizado no município de Mariluz, região noroeste o estado o Paraná, sul do Brasil. O assentamento Nossa Senhora Aparecida foi criado em 2002, possui 5758,3 hectares e 235 lotes, com cerca de 1.000 moradores.
A relação dos assentados com a água foi foco de vários debates por parte dos projetos, uma vez que as formas de captação de água para as atividades do assentamento (consumo, dessedentação de animais e irrigação) são nascentes e poços. Embora na época houvesse um poço artesiano perfurado na sede do assentamento, não havia sistema de distribuição da água para os lotes, nem para a estrutura básica de posto de saúde, igrejas e pavilhão. Isso fazia com que a comunidade se sentisse bastante desassistida em termos de políticas públicas de saneamento ambiental rural. Este cenário, bastante preocupante, levou a desenvolver dois projetos cujos temas foram saneamento básico e recuperação de nascentes. Os projetos foram aplicados por nós, Cristiane Kreutz e Maristela Denise Moresco Mezzomo, juntamente com nossa colega Morgana Suszek Gonçalves.
Localização do Assentamento Nossa Senhora Aparecida no Paraná. Fonte: Cadoná (2017).
Um dos projetos teve com foco realizar um diagnóstico ambiental das nascentes e olhos d’água do assentamento, por meio de trabalho de campo nas nascentes com aplicação de check list de observação e registro fotográfico. Os resultados apontaram que várias nascentes estavam com problemas de erosão e riscos de contaminação. Diante disso, foi indicado aos moradores que fizessem uso da técnica de proteção das nascentes com solo-cimento para o caso da erosão laminar, e a técnica de trincheira para o caso da erosão linear em forma de voçoroca. Para contribuir de forma efetiva com a comunidade do assentamento, foi realizada uma oficina de proteção de nascente que contou com ajuda dos moradores locais, prefeitura municipal, órgão ambiental, as professoras e um grupo de alunos de graduação vinculados ao projeto. O intuito foi ensinar os moradores esta prática para que pudessem replicar em outras nascentes, já que é uma técnica simples e de baixo custo de materiais e mão-de-obra.
O outro projeto teve como objetivo analisar a infraestrutura do saneamento básico do assentamento. Foi aplicado um questionário socioambiental com a finalidade de obter informações referentes ao perfil e caracterização das famílias, suas fontes de renda e formas de produção, disponibilidade da água, acesso e tratamento da mesma, as práticas para tratamento dos efluentes e a disposição final de resíduos sólidos. Também foram coletadas amostras de água e realizadas análises físico-químicas e microbiológicas. Os resultados apontaram que no assentamento não havia sistema de tratamento e distribuição de água, sistemas de coleta e tratamento do esgoto e nem coleta de resíduos sólidos. Das fontes de abastecimento, 44,4% utilizavam olho d’água, 33,3% poço tubular e 22,2% poço artesiano. A disposição do esgoto doméstico era predominantemente por fossas rudimentares e os resíduos sólidos, na maioria dos casos, eram direcionados para fossas, enterrados ou queimados. Os parâmetros de nitrogênio amoniacal, nitrato e nitrito de todas as amostras coletadas estavam dentro do estabelecido pela legislação em vigor, porém foram verificados valores superiores de fósforo total ao limite definido pela portaria MS n° 2914/2011, indicando também resultados positivos para coliformes totais em 100% dos pontos de coleta, e ausência de Escherichia coli em apenas 11,1 % dos lotes estudados. Os resultados indicaram a necessidade de melhorias na infraestrutura da comunidade, sendo recomendada a desinfecção da água para consumo humano, a fim de evitar doenças de veiculação hídrica.
Alunos, professoras e moradores durante reunião no assentamento.
Todas as atividades que envolveram os assentados tiveram como porta voz três mulheres, assentadas (Andreia, Maria Salete e Rosineide), as quais exerciam funções de liderança. Uma era líder da juventude, outra era líder comunitária da área de saúde e a terceira exercia a função de técnica da parte ambiental do assentamento.
Ouvir e aprender com essas mulheres, bem como a vivência com outros moradores, foram as doses de motivação para percorrer 400 km (distância de ida e volta da universidade ao assentamento) para desenvolver as atividades do projeto. As camponesas, como gostavam de ser chamadas, demonstravam uma relação com a terra, com a natureza e com as águas de forma encantadora. Conviver com elas naquele período foi com certeza, uma das melhores experiências que a extensão universitária nos permitiu até agora. Ao final dos projetos foi realizado um seminário na universidade com a participação de vários convidados entre os quais, as “meninas” que lideravam a gestão do assentamento, como nos referíamos carinhosamente a elas. Foi mais um momento de que nos permitiu compartilhar conhecimento e reconhecer a importância das mulheres dos assentamentos, suas lutas e resistências, cuja experiência tem muito a nos ensinar.
Andreia, Maria Salete, Maristela, Rosineide, Morgana e Cristiane.
Referências:
GONÇALVES, M., S.; DOS SANTOS, E.; MEZZOMO, M. D. M. Diagnóstico e propostas de controle de erosão em nascentes de um assentamento rural em Mariluz, Paraná. In: XIV Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. 2018, Foz do Iguaçu. Anais... 2018. v. 1.
SANTOS, E.; MEZZOMO, M. D. M.. Problemas e riscos ambientais em nascentes: estudo de caso em Mariluz - PR. In: IX Congresso Científico da Região Centro-Ocidental do Paraná, 2018, Campo Mourão. Anais...2018. v. 1. p. 1-2.
Cristiane Kreutz
Tenho 43 anos, sou a caçula dos seis filhos da Dona Oliria e Seu Luciano e com muito orgulho, mãe da Maria Vitória (17) e Nícolas Jordan (09). Me graduei em Tecnologia Ambiental e, desde então, atuo na área de recursos hídricos e saneamento. Sou docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e estou como coordenadora do Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos, polo do campus Campo Mourão, no Paraná. Ser professora me permite atuar em diversas ações de ensino, pesquisa e extensão, envolvendo a temática água e que, de alguma forma, contribuem com a sustentabilidade ambiental, e me faz acreditar que não devemos desistir de lutar por um mundo melhor e que o respeito ao próximo deve sempre ser o alicerce para a equidade.
Maristela Denise Moresco Mezzomo
Luto pelos rios livres e vivos. Sou geógrafa de corpo e alma e defendo a ideia de que devemos viver de forma harmoniosa com a natureza e que as mulheres têm um papel fundamental frente à problemática ambiental, principalmente, se inspiradas por Pachamama. Atuo no ensino superior desde 2006. Ser professora, fazer pesquisa e extensão são oportunidades de incentivar os alunos a serem cidadãos do mundo em defesa da natureza. Sou mãe de Sophie Luiza, minha pequena girassol que me guia todos os dias! Viva os rios!
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