Autora: Flávia Mendes Magalhães
Estamos em tempos de pandemia, e todo tipo de serviço presencial ficou um pouco mais complicado de ser realizado. Então, este texto também poderia se chamar: ‘O dia-a-dia da cidadã que convive com uma logística reversa ainda primária no Brasil’, ou ainda, ‘A saga do descarte correto: uma crônica em construção’. Já te explico...
Esses dias me peguei querendo descartar um material líquido tóxico (utilizado na área da saúde, em consultas médicas) e aí veio toda uma problemática. Muito se fala em separar o lixo em seco (reciclável, e por sua vez, segregado por material), úmido (caso você não tenha composteira em casa) e não reciclável, que normalmente ou é descartado em contêineres específicos em shoppings ou afins (como pilhas e baterias), ou descartado direto para o caminhão de lixo levar ao aterro sanitário.
Só que o material que eu ainda tenho em mãos, apesar de ser resíduo de saúde, não pode ser entregue nas farmácias. O porquê!? Não me pergunte! Eu ainda não descobri a resposta. Só sei que é assim.
E assim começa minha saga pelo descarte “perfeito”, ou melhor, dizendo: o descarte possível.
O primeiro ímpeto foi entrar em contato com o laboratório que fabricou. O mesmo me sugeriu comprar outra substância para diluir a primeira e fazer o descarte no lixo comum, com embalagem e tudo. Eu, como estudante de Gestão de Resíduos em uma Universidade Federal, achei a informação completamente estranha, além de perigosa. Fora que, qual o sentido de comprar algo para descartar duas coisas no final?
Pela Lei, 12.305/2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, é responsabilidade do fabricante, dar a destinação final adequada a qualquer resíduo que ele produzir, e é obrigação do consumidor entregar a ele (mas este deve dar condições para que a entrega seja realizada).
Fiquei pensando: por que o fabricante não sugeriu que eu entregasse a ele por meio da logística reversa? Por que esse fabricante não desenvolveu um protocolo, claro e acessível para informar aos compradores a forma adequada de descarte? Será que realmente só os custos estão sendo levados em consideração? Será que não foi ainda autuado e/ou multado pelos órgãos ambientais por dar esse tipo de recomendação, podendo colocar em risco a saúde do consumidor, ao ter que manusear as substâncias tóxicas mencionadas? Fora o impacto que pode causar ao meio ambiente e aos recursos hídricos. Por que no nosso país, as obrigações ambientais ainda andam a passospequenos? Mas não é por isso que vamos deixar de cobrar nem de agir corretamente, quando possível for, não é verdade!?
Voltando a minha saga, ainda não descobri onde, ou como fazer o descarte adequado, mas sinto que estou perto. Fui informada que as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), vinculadas ao Sistema Único de Saúde, possuem coletores para materiais utilizados em situação de saúde, mas a informação ainda não está confirmada. Há a opção de pressionar o fabricante a dar uma destinação, que pode me levar ao êxito (e pela lei, é a opção correta).
Quer ver outro caso? Outro dia, minha irmã também enfrentou uma situação semelhante: outra saga! Ela me perguntou onde poderia descartar uma coifa, um eletrodoméstico utilizado para eliminar o cheiro de gordura da cozinha. Ela descobriu que, uma empresa faria o recolhimento de forma “sustentável”, porém cobrando cerca de 200 reais para a retirada do material. Isso não pode ser sustentável financeiramente a toda a população. No fim das contas, depois de muito procurar, conseguiu um catador que se interessava pelo material que ela queria descartar e que morava na região, então não gastou com traslado e ajudou alguém a colocar mais comida na mesa.
É interessante perceber o quanto de material nós possuímos em todos os lugares e que em pouco tempo, se tornará resíduo e precisará ser descartado. A casa onde moro e o computador onde escrevo esse texto, em algum momento estragarão, e lá vem mais uma preocupação do que fazer.
Sei que o país pouco estimula a reciclagem, havendo também baixa orientação para o descarte correto, e para o consumidor muitas vezes é difícil passar por esse processo, por não saber como agir, mas precisamos pensar na economia e na saúde a longo prazo e não apenas de forma imediatista, nem colocar o problema pra debaixo do tapete.
Que a gente se acostume a não aceitar respostas prontas e que vá até o fim nos nossos processos, para achar as soluções adequadas às questões que estamos enfrentando! Viver de forma sustentável é um desafio cotidiano, mas que precisa ser feito para a preservação do nosso planeta, das águas, para a nossa saúde e vida.
Flávia Mendes Magalhães é administradora por formação e apaixonada por gestão, sustentabilidade e meio ambiente. Cursa Especialização em Gestão de Resíduos Sólidos Socialmente Integrados na UFBA e MBA em Meio Ambiente e Sustentabilidade na UCM. É pesquisadora no Grupos de Pesquisas em Gestão Ambiental e Desenvolvimento de Empreendimentos Sociais/UcSal e no de Governança para a Sustentabilidade e Gestão de Baixo Carbono/UFBA. Também é voluntária do Greenpeace, no The Climate Reality Project, e Integrante do Coletivo Lixo Zero 71.
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