Autoras: Maria Cristina Crispim, Kátia Messias Bichinho e Flávia Martins Franco de Oliveira
A gestão das águas é essencial para a manutenção dos serviços ecossistêmicos, seja para melhorar o bem-estar humano seja para manter o equilíbrio ambiental e a biodiversidade.
Os resíduos humanos, principalmente os líquidos, colocam em questão a integridade dos ecossistemas aquáticos, que ao receber mais nutrientes, tornam-se eutrofizados, perdendo qualidade de água, o que restringe o seu uso, e a possibilidade de muitas espécies permanecerem no ambiente.
Apesar de haver padrões de qualidade para efluentes estipulado pela Resolução CONAMA 430, de 13 de maio de 2011 (BRASIl, 2011) continua havendo lançamento de efluentes fora dos valores máximos permitidos, inclusive pelas Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs). Isso faz com que os rios apresentem elevadas concentrações de nutrientes, que induz ao aumento do estado trófico. No entanto, o maior impacto de eutrofização das águas é ainda o lançamento de esgotos in natura por falta de redes coletoras e ETEs devido à insuficiência de serviços públicos próprios do município ou via concessionárias tanto públicas quanto privadas, além do despejo de águas cinas nas ruas que vão para as redes pluviais, decorrente da omissão ou insuficiência de ação dos órgãos públicos.
Este é o principal problema, o índice ainda baixo de universalização dos serviços de coleta e tratamento de esgotos no Brasil. Águas eutrofizadas aumentam a produção primária, em especial em lagoas e reservatórios, provocando aumento de densidades de microalgas, deixando as águas com coloração esverdeada. A eutrofização favorece o desenvolvimento de cianobactérias, que predominam no ambiente aquático (SILVA et al., 2011). As florações podem ser tóxicas quando ocorre a metabolização de cianotoxinas hepatotóxicas como as microcistinas ou neurotóxicas como as saxitoxinas, o que pode confere risco grave à saúde humana. A maioria dos mananciais de abastecimento público no Brasil localizados em áreas urbanas eutrofizam, principalmente na época do verão, o que resulta em florações tóxicas de cianobactérias (SANT’ANNA et al., 2008). Ainda mais afetados são os açudes, lagos naturais ou de represas por serem ambientes lênticos (sem fluxo). Desde o episódio de morte de pacientes por intoxicação aguda de pacientes em uma clínica de hemodiálise em Caruaru, Pernambuco, ocorrido em 1996, provocado pela captação de água em ambiente lêntico e que estava visivelmente e seriamente comprometido pelo coloração esverdeada e aspecto viscoso da água (CARMICHAEL et al., 2001), o monitoramento de cianobactérias e de cianotoxinas nos mananciais de abastecimento público passou a ser regulamentado na legislação brasileira de potabilidade da água (BRASIL, 2017).
Outra questão relevante é o comprometimento organoléptico da água destinada para consumo humano, pois as cianobactérias metabolizam também dois compostos químicos, a geosmina e o 2-metilisoborneol – MIB, que comprometem a qualidade da água com odor e gosto de mofo e terra, causando diferentes reações de desconforto, inclusive náuseas, aos consumidores, embora não sejam tóxicos (FREITAS et al., 2008). Quando são ambientes com fluxo, como rios e riachos, as plantas aquáticas são favorecidas, aumentando principalmente as espécies flutuantes. Quando ocorre o aumento da densidade dessas plantas, são formadas grandes florações que ocupam, em geral, toda a superfície aquática, fato que contribui ainda mais para a degradação do ecossistema aquático e da qualidade de água por impedir a penetração de luz e promover aumento nas taxas de decomposição, diminuindo, consequentemente, a concentração de oxigênio dissolvido na água (ESTEVES, 1998). Isso provoca efeitos em cascata como a diminuição da biodiversidade, permanecendo apenas espécies resistentes à poluição, o desfavorecimento de reações químicas que utilizam oxigênio em seus processos (reações redox), sendo exemplo a permanência do enxofre na forma de íon sulfeto (tóxico), sem passar a íon sulfato, o que causa o odor desagradável das águas poluídas.
Dessa forma, a gestão dos recursos hídricos é de extrema relevância, considerando a necessidade da água como recurso vital e ecossistêmico. Assim, realizar o tratamento adequado de esgotos, incluindo os domésticos é fundamental.
Fossas ecológicas são tecnologias adequadas, pois promovem o tratamento do esgoto em nível local sem a necessidade de gastos com transporte e tratamento centralizado, em ETEs, que na maioria têm tratamento insuficiente, muitas ainda com tratamento primário de redução de demanda biológica de oxigênio em tanques anaeróbios ou secundário em lagoas de estabilização e sistemas de lodos ativados, ou seja, tratamento que não remove totalmente os nutrientes, principalmente nitrogênio e fósforo, lançando-os ainda em concentrações elevadas nos corpos hídricos receptores, como discutido por Sousa (2015). Além disso, os esgotos podem conter o novo coronavírus SARS CoV-2 (THE LANCET, 2020), liberado via fecal, o que representa risco de contaminação, a depender do tempo em que o vírus permanece ativo, especialmente nos corpos receptores, quando o esgoto não é tratado e destinado de forma adequada.
Com todas essas preocupações, a equipe de pesquisa do Laboratório de Ecologia Aquática do Departamento de Sistemática e Ecologia do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal da Paraíba – LABEA/DSE/CCEN/UFPB, coordenado pela Profa. Maria Cristina Crispim resolveu aplicar um método de tratamento de rios, com gestão participativa, baseado na construção de fossas ecológicas, inserindo a comunidade ribeirinha na resolução dos problemas de poluição do rio. Além disso, a pesquisadora desenvolveu e aplica a biorremediação, utilizando a comunidade do biofilme aquático como remediadora, através de trabalhos de pesquisa desenvolvidos que resultaram nas teses de doutorado de Flávia Martins Franco de Oliveira e de Artur Henrique Florentino Freitas de Souza e na dissertação de mestrado de Randolpho Savio Marinho realizadas junto ao Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UFPB).
O resultado da gestão do Rio do Cabelo foi positivo em um curto período de tempo, em cerca de 2 meses a água do rio estava muito mais transparente, com diminuição da densidade da espécie de macrófita (plantas aquáticas) dominante, e evidência de ocorrência de mais 3 espécies de plantas aquáticas e com a ocorrência de mais 9 espécies de peixes, que antes tinham somente 6 e passaram para 15 espécies presentes. Nymphaea sp., que está presente em águas menos poluídas, passou a ocupar maiores áreas do rio (Figura 1A e 1B). Além disso, o mangue renasceu na praia, demonstrando que diminuindo a diminuição da carga orgânica em um rio geram-se efeitos em cascata nos estuários e promove-se a importante restauração dos manguezais.
Os resultados do projeto evidenciaram significativo sucesso, mostrando que a gestão das águas é possível, envolvendo mulheres na pesquisa para a aplicação das ações nas comunidades ribeirinhas, fortalecendo o empoderamento do gênero. O projeto também permitiu a aplicação da Educação Ambiental e da Ecoeducação em espaços não formais como preconizado por Ramos e Ramos (2008) e Fávero (2007). As pessoas envolvidas passaram a entender melhor suas ações e as respectivas consequências percebendo que podem ser sujeitos ativos e atuar como protagonistas da mudança de sua realidade.
Figura 1 – a) Rio do Cabelo, João Pessoa, PB antes da instalação do sistema de biotratamento; b) – Rio do Cabelo, João Pessoa, PB após 2 meses da instalação do sistema de biotratamento conciliando fossas ecológicas e biorremediação. Fonte: acervo LABEA/DSE/CCEN/UFPB.
Após a construção das fossas ecológicas, a qualidade das águas dos poços usadas para consumo humano nas redondezas do Rio do Cabelo também melhorou (MARINHO, 2018) por estarem menos expostas à contaminação produzida por fossas sépticas vazadas e águas cinzas residuárias (servidas) lançadas a céu aberto.
O biotramento com módulos de biofilme foi também instalado experimentalmente no Rio Jaguaribe, um rio que atravessa a cidade de João Pessoa, que recebe muito mais esgoto e nos dois trechos testados, verificaram-se diminuições significativas nas concentrações de nutrientes e as pessoas notaram menos maus odores, maior transparência e mais peixes no rio, demostrando a eficiência deste biotratamento a baixo custo (SOUZA, 2020)
Maria Cristina Crispim
Bióloga, com doutoramento em ecologia e biossistemática, pela Universidade de Lisboa e pós-doutorado em ecologia aplicada, Universidade Federal da Paraíba. É Professora da Universidade Federal da Paraíba, CCEN, Departamento de Sistemática e Ecologia
Kátia Messias Bichinho
Departamento de Química, Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Universidade Federal da Paraíba.
REFERÊNCIAS BRASIl. Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA 430, de 13 de Maio de 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação Nº 5, de 28 de Setembro de 2017. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0005_03_10_2017.html.
CARMICHAEL, W. W.; AZEVEDO, S. M.; AN, J. S.; JOCHIMSEN, E. M.; LAU, S.; RINEHART, K. L.; SHAW, G. R.; EAGLESHAM, G; K. Human fatalities from cyanobacteria: chemical and biological evidence for cyanotoxins. Environmental Health Perspectives, v. 109, n. 7, p. 663-668, 2001.
ESTEVES, F. A. Fundamentos de Limnologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Interciência. FINEP, 1998.
FÁVERO, O. Educação não-formal: contextos, percursos e sujeitos. Educação & Sociedade, v. 28, n. 99, p. 614-617, 2007.
FREITAS, A. M.; SIRTORI, C.; PERALTA-ZAMORA, P. G. Avaliação do potencial de processos oxidativos avançados para remediação de águas contaminadas com geosmina e 2-MIB. Química Nova, v. 31, n. 1, p. 75-78, 2008.
LODDER, W.; JUSMAN, A. M. R. SARS CoV-2 in wastewater: potential health risk, but also data source. The Lancet Gastroenterology & Hepatology, v. 5, n. 6, p. 533-534, 2020.
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OLIVEIRA, F.M.F BIORREMEDIAÇÃO: UMA FORMA DE DESPOLUIÇÃO DE ECOSSISTEMA LÓTICO COM A UTILIZAÇÃO DE BIOFILME E MACRÓFITASTese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 253 f., 2020
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SILVA, L. A. P. S.; ARAÚJO, F.; PANOSSO, R.; CAMACHO, F.; COSTA, I. A. S. As águas verdes dos Reservatórios do Rio Grande do Norte: o problema das cianobactérias e cianotoxinas. Boletim ABLimno, v. 1, n. 36, 2011.
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