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Sumário da água

Blog da REBOB

Saneamento Rural: Uma experiência na comunidade Jaburu II

Heliana Rodrigues de Souza



No Brasil, o saneamento básico, principalmente o esgotamento sanitário, ainda possui infraestrutura insuficiente, no Ceará quando se fala de esgotamento sanitário, a situação é desafiadora para todas as cidades cearenses. Estima-se que no estado somente 25,63% da população recebe atendimento de coleta de esgoto, e 35,90% do volume dos esgotos cearenses são tratados (SNIS,2019). Tal realidade é ainda mais crítica nas zonas rurais, áreas de acesso mais difícil e de baixo investimento governamental.


E a tendência é que o saneamento rural se desenvolva numa velocidade menor do que nas áreas urbanas, por toda a complexidade do baixo adensamento de pessoas, dificultando a construção das tradicionais redes de coleta e tratamento (SANTOS, 2016). E é por isso que sistemas alternativos de tratamento e disposição de resíduos líquidos se apresentam como uma boa solução para o problema sanitário das comunidades rurais.


Comunidades rurais têm sido o objeto de ainda estudos incipientes no que se refere ao esgotamento sanitário e mais estudos precisam ser realizados para que as situações dessas populações sejam mais conhecidas. Existe uma disparidade grande entre o atendimento adequado de esgotamento sanitário entre centros urbanos e rurais, pois a cada dez pessoas que não são atendidas com saneamento adequado, sete vivem em áreas rurais (WHO/UNICEF, 2015 APUD TONETTI et al., 2018).


Na comunidade Jaburu II, Zona Rural do Município de Independência-CE, a situação do saneamento básico não é diferente das demais localidades rurais do Estado, nem do País, é mais uma comunidade que contribui para a estatística da coleta e tratamento de esgoto serem baixas. Em 90 % das residências o esgoto é destinado a uma fossa rudimentar, em sua maioria, construídas com técnicas ultrapassadas que permitem a infiltração do efluente no solo, sem nenhum tipo de tratamento. O dimensionamento dos módulos da fossa não são calculados, o que ocasiona o enchimento muito rápido e a necessidade do esgotamento. O esgotamento precoce da fossa provoca o despejo de fezes, matéria orgânica ainda não decompostas no solo.


Além, do odor, a poluição do solo e a poluição hídrica afetam a saúde ambiental da localidade e a saúde da população, pois, como são muitas fossas que permitem a infiltração do efluente no solo, pode provocar a contaminação do lençol freático, onde existe dois poços artesianos perfurados para o abastecimento humano. Existem também a proximidade dessas fossas com as cisternas de placas, que pode ser outro ponto de poluição das águas.


Portanto, para essa Comunidade, o tratamento e a disposição final adequada dos esgotos domésticos pode significar uma medida preventiva importante contra os impactos ambientais e na saúde gerados pelo esgotamento sanitário deficiente e inexistente. Pois, o esgoto doméstico pode se apresentar como uma fonte de recursos, os nutrientes presentes no esgoto podem significar uma vantagem substancial para o reúso de água, especialmente em irrigação, pois são insumos necessários para o cultivo de plantas (MOTA; VON SPERLING, 2017).


Desta forma, a implementação do saneamento sustentável rural para a melhoria do saneamento básico nessa região e para a saúde ambiental das comunidades vem através da instigação dos moradores sobre os sistemas alternativos de tratamento de baixo custo e que proporcione a auto sustentabilidade, promovendo o crescimento econômico, a proteção ambiental e a equidade social. Pois, acredita-se que um melhor entendimento sobre saneamento sustentável pode trazer a emancipação das comunidades rurais em relação à auto sustentabilidade.


Caracterização da Comunidade Rural:


Atualmente a comunidade Jaburu II com uma população estimada de 492 habitantes, tem uma população mais adulta, onde a maioria das pessoas tem entre 30 a 60 anos, e a longevidade dos moradores é representada pela grande quantidade de pessoas com mais de 80 anos e uma centenária. Por isso, uma das principais fontes de renda da comunidade é a aposentadoria, seguido da agropecuária e pesca, e por último, servidores públicos municipais. Outra fonte de renda é o auxílio do programa Bolsa Família que auxilia nas despesas das pessoas mais carentes da comunidade. Na comunidade somente uma pequena parcela trabalha recebendo renda fixa, servidores públicos municipais, por isso a renda familiar no Jaburu II é entre 1,0 a 1,5 do salário mínimo.


A escolaridade da população infantil da localidade na faixa de 02 a 05 anos, é de 100 % em matrículas efetivas. E a matrícula no fundamental que abrange a faixa de 06 a 14 anos é de 98,20%. Portanto, a escolaridade no ensino infantil e fundamental é elevada. Porém, a escolaridade da população de 50 a 60 anos é baixa, sendo que a maioria que se concentra nessa faixa tem o ensino fundamental incompleto. Fato que é justificado pelas dificuldades encontradas antigamente para ir à escola, às vezes distantes e sem professores qualificados. Porém, presentemente com a construção da E.E.F. João Pereira Filho que recebe as crianças de 02 a 05 anos e onde funciona o Anexo E.E.F. José Ferreira dos Santos, que recebe a faixa de 06 a 14 anos, a população mais jovem da comunidade pode frequentar a escola e estudar sem obstáculos.


Como a população é mais adulta, e sem equipamentos como quadras de esportes e praças amplas e bem iluminadas, a diversão na comunidade são os festejos da Padroeira Nossa Senhora de Fátima, onde reúne as crianças, homens e mulheres da localidade e de outras comunidades rurais em prol da devoção a Santa.


Também consequência da faixa etária e de doenças crônicas, na comunidade as pessoas padecem mais devido a doenças hipertensivas, diabéticas e problemas cardíacos. Os agricultores e pescadores já apresentam dores musculares ou concentradas nas costas. E as crianças estão mais sujeitas a viroses e vermes. Portanto, as doenças mais comuns na localidade podem ser examinadas e tratadas no Posto de Saúde da comunidade, que oferece os serviços de: curativo, verificação de pressão arterial, teste de diabete, oxímetro, nebulização, entrega de medicamentos.


Todas as informações apresentadas são importantes para a execução de um projeto de saneamento sustentável, pois é necessário caracterizar a população com suas características particulares e necessidades. Porém, um dos parâmetros que é o principal, é a situação do esgotamento sanitário, que atualmente é inadequada, pois as águas negras, da bacia sanitária, são destinados a uma fossa rudimentar construída com blocos vazados permitindo a infiltração do esgoto no solo. E quando as águas cinzas, do chuveiro, pia, são separadas das águas da bacia sanitária, a disposição é diretamente no solo. E esse é um dos maiores problemas da comunidade, a disposição dos efluentes nos solos e a exposição da população ao esgoto a céu aberto. E outro fator que se apresenta como problema também para a saúde ambiental é a destinação dos resíduos sólidos que são queimados, enterrados ou simplesmente jogados em terrenos baldios, não existe coleta sistemática na comunidade rural.


Solução para a problemática do esgotamento sanitário: Fossas Verdes


O sistema alternativo de tratamento de efluentes aplicado na Comunidade Jaburu II foi submetido à análise de três princípios primordiais para o saneamento ecológico, que segundo Breslin (2002), são:

  1. Oferecer uma solução de saneamento seguro que previne doenças e promove a saúde removendo com sucesso e higienicamente os excrementos ricos em patógenos do meio ambiente;

  2. Ser ambientalmente saudável, pois não contamina as águas subterrâneas ou usa água escassa de recursos hídricos;

  3. Criar um recurso valioso que pode ser reciclado de forma produtiva de volta ao meio ambiente. Com o tempo, através de uma gestão e armazenamento adequados, os excrementos são transformados de produtos nocivos para um ativo produtivo.

E a fossa verde, ou bacia de evapotranspiração, atende a esses princípios e é uma tecnologia alternativa familiar social que é acessível economicamente para famílias de baixa renda. Pois, pode ser construída com materiais recicláveis, a exemplo da câmera de recepção construída com pneus inservíveis, e de forma participativa e com mobilização comunitária que é a proposta de um projeto de saneamento rural sustentável, divulgar as ações de sustentabilidade para a criação de um território de produção de saúde e desenvolvimento socioambiental.


Além do baixo custo, a fossa verde, nos estudos e trabalhos sobre esse sistema demonstra a segurança tanto hídrica e alimentar que a tecnologia proporciona. Pois, com o processo de impermeabilização do fundo e das paredes da bacia, torna-se mais difícil a contaminação dos lençóis freáticos ou das águas armazenadas nas cisternas de placas. As camadas de filtração e percolação do esgoto (entulho, brita, areia), transformam o esgoto em um recurso rico em nutrientes que serão utilizados pelas plantas cultivadas nas fossas. E para finalizar o tratamento do efluente, as culturas irão através da evapotranspiração retornar a água para um novo ciclo.


E após a divulgação sobre saneamento rural e sustentável, e capacitação de educação em saúde ambiental, a Comunidade Jaburu II, através de 40 oficinas, construíram de forma participativa 40 módulos de fossas verdes, como demonstrado na figura 1.


Figura 1. Estrutura da fossa verde vista de cima e em perfis a e b.



E ao final da implementação de todos os módulos de fossas verdes almeja-se que a Comunidade Jaburu II se torne um laboratório para a disseminação e estudo do saneamento rural sustentável e exemplo de comunidade emancipada em relação à auto sustentabilidade, o esgoto sendo visto como uma fonte de recursos. Essa emancipação poderá vir através da provocação da interação da comunidade com o meio ambiente.


Portanto, o saneamento sustentável rural se torna um instrumento para alcançar a saúde ambiental e uma qualidade de vida melhor, cuja é, a somatória de como todos os elementos que formam o meio ambiente existem no entorno do homem, logo o direito ao saneamento básico e a saúde ambiental deve ser considerado inviolável principalmente para a comunidade Jaburu II ao término desse projeto. Pois com as capacitações, oficinas e mobilizações sociais a população rural deve ser capaz de defender e exigir o saneamento e qualidade de vida adequados.



Referências



BRESLIN, E. D. Introducing Ecological Sanitation: Some lessons from a small town pilot project in Mozambique. Water Science & Technology, v. 45, n. 8, p. 217-224, 2002.

MOTA, Francisco Suetônio Bastos; VON SPERLING, Marcos. Esgoto: Nutrientes de esgoto sanitário: utilização e remoção. Brasil: Prosab, 2017. Disponível em: <http://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/historico-de-programas/prosab/prosab5_tema_2.pdf>. Acesso em: 19 de junho de 2023.

SANTOS, Fernando Oliveira. Saneamento básico no brasil: avaliação dos fatores determinantes do investimento com base nos dados da pesquisa do sistema nacional de informações sobre saneamento (snis). 2016. 113 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:<Saneamento básico no Brasil: avaliação dos fatores determinantes do investimento com base nos dados da pesquisa do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) | col:12392 | com:3255 (fgv.br)> . Acesso em: 16 de junho de 2023.

SNIS - Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: 25º Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos. 2019. Ministério do Desenvolvimento Regional. Secretaria Nacional de Saneamento –Brasília: SNS/MDR. 183 p.: il.. Brasília, 2019. Disponível em: <https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/saneamento/snis/diagnosticos-anteriores-do-snis/agua-e-esgotos-1/2019/2-Diagnstico_SNIS_AE_2019_Republicacao_31032021.pdf>. Acesso em: 16 de junho de 2023.

TONETTI, Adriano Luiz et al. Tratamento de esgotos domésticos em comunidades isoladas: referencial para a escolha de soluções. São Paulo: Unicamp, 2018. 153 p.

WHO/UNICEF. Progress on sanitation and drinking water – 2015 update and MDG assessment. Geneva: World Health Organization (who) And The United Nations Children’s Fund (unicef), 2015. 90 p.






Heliana Rodrigues de Souza - Engenheira Ambiental, Especialista em Gestão, Licenciamento e Auditoria Ambiental. Técnica de Laboratório / Meio Ambiente na UFC Campus Crateús. Instagram @helianacoelho E-mail: helianaalexandreinfo@gmail.com




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