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Sumário da água

Blog da REBOB

Água e abastecimento de água: a importância da percepção de gênero a partir do olhar de pesquisadora


Laudemira Silva Rabelo




Ao ser convidada para escrever nesta sessão, eu fiquei muito feliz pelo enfoque de gênero enfatizado pela revista. A participação das mulheres na temática água insere realidades vivenciadas por muitas meninas e mulheres, principalmente em áreas rurais, ao dedicarem horas de sua vida em busca de uma água limpa e segura para beber.


A questão gênero em mercados de trabalhos, historicamente masculinos, como as engenharias, fortalece as próximas gerações de meninas a trilharem empregos pela sua capacidade e a tornar ambientes de trabalho mais inclusivos. Assim, parabenizo todas as mulheres que estiveram nesta sessão da revista, que ainda estarão, ou que têm a água com sinônimo de vida.


Para inspirar outras mulheres e meninas a seguir está caminhada desafiadora, vou explicar a pesquisa que desenvolvo e trazer alguns elementos importantes do olhar feminino para se compreender a importância da diversidade de gênero em investigações sobre o abastecimento de água rural, temática de pesquisa que atualmente trabalho.


O saneamento básico compreende o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais que englobam a gestão de quatro itens: o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos e a drenagem e manejo das águas pluviais urbanas (Lei Nº 14.026, 2020). Dois pontos são importantes serem compreendidos. Em primeiro lugar, o saneamento básico inicialmente foi pensado para os aglomerados urbanos, como um indicador de saúde pública. Como segundo ponto, a política de saneamento básico no Brasil continua não sendo integradora e privilegia os itens de abastecimento de água potável e o esgotamento sanitário. Esses fatores contribuíram para as diferentes estratégias e discrepâncias quanto a acessibilidade à água potável entre o espaço urbano e rural. No contexto do semiárido, com as secas cada vez mais prolongadas, outra preocupação ocorre quanto ao abastecimento de água – a necessidade de fontes hídricas seguras, ou seja, que possam suportar as secas, cada vez mais prolongadas.


A participação de pesquisadoras mulheres, ao longo do projeto de pesquisa que participo, trouxe olhares sobre a água e não somente essa, como um recurso hídrico, indo inclusive além de sua relação com as infraestruturas, o desenvolvimento econômico ou a irrigação para a produção agrícola. Assim, foram reveladas populações vulneráveis, que estão à margem das políticas de recursos hídricos e de saneamento básico, e suas relações na busca de uma água potável e segura para beber.


Essas populações rurais não têm água encanada em seu domicílio e o olhar feminino das pesquisadoras consegue capturar as diferenças quanto ao acesso à água no espaço rural pela perspectiva de gênero. As mulheres são as responsáveis pela garantia de uma água para beber ou para as atividades domésticas, devido ao seu papel, ainda pré-determinado, na sociedade com o cuidado da família.


Quando essa água, contudo, é armazenada em cisternas, as mulheres a gerenciam e tem o seu empoderamento na unidade familiar e comunidade. Contudo, em sistemas simplificados, a gestão perpassa geralmente pelo gênero masculino e, embora o seu uso seja para beber ou atividades domésticas realizadas pelas mulheres, essas deixam de participar das tomadas de decisões comunitárias, por ter o seu papel muitas vezes restrito à sua casa e pouco nas associações.


Os sistemas de abastecimento simplificado elevam a qualidade da água no espaço rural, principalmente para as mulheres e meninas, contudo, existem grandes desafios na gestão comunitária dessas infraestruturas e muitas delas ficam sucateadas, voltando, assim, a ter comunidades sem o acesso de uma água potável.


Ser responsável pela água para beber, traz na perspectiva do feminino que a quantidade não pode estar dissociada da qualidade. Embora não se possa esquecer que em áreas semiáridas a escassez da água se faz característica presente em boa parte do ano e por isso um correto gerenciamento da água, com a participação desse grupo se faz tão importante.


Este olhar do feminino e para o feminino no acesso e gestão da água revela fatores desconhecido no saneamento básico rural, principalmente quando os profissionais de engenharia focam na modernização e ampliação de infraestruturas. Além da inserção do gênero entre pesquisadores, a interdisciplinaridade na temática água agrega outros valores importantes que contribuem em uma visão holística da problemática analisada, e não somente no ponto de vista de infraestruturas, mas também em governança, políticas públicas e qualidade de vida, a partir do acesso a uma água potável.


A pesquisa se faz necessária como um suporte a uma melhor tomada de decisão, seja por gestores de empresas privadas ou públicas. E embora os resultados dos relatórios demorem a contribuir com as políticas públicas, por exemplo, pelo menos revelam o que antes estava invisível.


Eu já atuei de forma profissional na indústria, na academia e em órgãos públicos federal e estadual e hoje, desde 2019, trabalho com pesquisa para o estado do Ceará. Essa caminhada pela pesquisa veio por conta do imenso prazer em aproximar a sociedade da Ciência. E a água está comigo desde que nasci, pois, minha cidade de origem, Propriá, em Sergipe, fica às margens do Rio São Francisco e esse rio, importante para a irrigação, energia, pesca, lazer e água de beber, eu carrego em mim com muitas lembranças de infância.


A caminhada das mulheres por áreas de trabalho e temáticas de pesquisa que historicamente sejam mais masculinos pode trazer uma carga maior, em provarmos nossa competência e por ela se ter o reconhecimento. Nascer mulher já insere a constância da luta diária na resistência pela opressão, pelo assédio moral, sexual. E este olhar feminino no abastecimento de água no espaço rural empondera outras mulheres, pois “mulheres são como água, crescem quando se juntam”.




Laudemira Silva Rabelo – Química Industrial e Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Estou como pesquisadora na Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME). E-mail: laude.rabelo@gmail.com





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